Análise | Clair Obscur: Expedition 33 - Magnifique!


Logo na primeira vez que a Sandfall Interactive apresentou Clair Obscur: Expedition 33 ao mundo, durante um showcase da Xbox no longínquo mês de junho de 2024, fiquei completamente fascinado. Um RPG "à antiga", por turnos, com um grafismo lindíssimo — tudo isto deixou-me extremamente expectante quanto ao que aí vinha. À medida que mais informação era revelada, maior era a minha ansiedade pela chegada do dia 24 de abril. Fugi de spoilers que pudessem surgir, para que, quando me sentasse com o comando na mão, pudesse usufruir da experiência em pleno. Mas nem isso me preparou para esta viagem. Bem-vindos à Expedição 33.






Em Clair Obscur: Expedition 33, o mundo vive sob a ameaça constante da Paintress, uma entidade misteriosa que, ano após ano, usa os seus poderes para apagar todas as pessoas com uma determinada idade — uma sentença inevitável, pintada com um simples gesto do pincel. Cabe-nos liderar os membros da Expedição 33, determinados a pôr fim a este ciclo cruel antes que o seu tempo chegue. A forma como a narrativa se desenrola rapidamente capta a atenção e prende o jogador. Esta é uma história que, apesar do seu tom fantástico e surreal, é profundamente humana: fala-nos de perda, de esperança e da luta contra um destino que se aproxima de forma tão inevitável quanto trágica.

E se a própria premissa deste título já me agarrou desde o primeiro instante, todo o seu desenrolar é verdadeiramente de tirar o fôlego. São camadas e camadas de um amadurecimento narrativo que ligam o jogador a cada personagem, a cada momento e a cada decisão — num equilíbrio raro entre o épico e o íntimo. Do princípio ao fim desta história, senti-me constantemente arrepiado, com os nervos à flor da pele, partilhando, em muitos momentos, as emoções das próprias personagens.




Porém, a força da narrativa de Clair Obscur: Expedition 33 não vive isolada: ela é magnificamente ampliada pela sua ambientação única. Este é um mundo onde o belo e o grotesco coexistem, onde a decadência se mistura com a arte, e onde cada cenário parece uma pintura em movimento. Há um peso palpável em cada local que visitamos, como se o próprio mundo estivesse consciente da tragédia cíclica que o consome. Com uma cidade inspirada na capital Francesa, vemos Catedrais desfeitas, cidades suspensas entre uma magnitude e a desolação, e paisagens de um surrealismo inquietante constroem uma atmosfera que não só acompanha a história, como a eleva. Tudo neste universo parece cuidadosamente desenhado para servir o propósito da narrativa: provocar emoções, levantar questões e fazer-nos sentir pequenos perante algo maior, inevitável. 

Há também um charme inegavelmente francês em determinados detalhes, que reforçam ainda mais a personalidade muito própria deste título e homenageiam a localização geográfica do estúdio — desde os trajes de certos inimigos até expressões e maneirismos que, mesmo na versão inglesa, mantêm viva a identidade cultural da editora. É este toque de autenticidade, quase literário, que confere ao jogo um carácter ainda mais distinto e refinado.

A direção artística e o design de mundo trabalham em conjunto para criar uma sensação de maravilha constante, mas também de urgência, como se estivéssemos sempre a caminhar na beira de um precipício, perante um fim trágico que tentamos evitar, mas que parece tornar-se cada vez mais inevitável às nossas personagens.




Pois até elas têm uma identidade muito singular, algo que Clair Obscur: Expedition 33 magnificamente apresenta. Cada membro da expedição carrega consigo um peso emocional único, uma história marcada por dor, resistência e uma necessidade urgente de encontrar sentido num mundo condenado. Não estão juntos apenas por um objetivo — são seres profundamente humanos, com traumas, dúvidas e momentos de esperança (ou da ausência dela) que se vão revelando ao longo da jornada. A escrita dá-lhes tempo para respirar, para crescer e para se ligarem uns aos outros (e a mim), criando laços que tornam cada momento mais denso e significativo. As conversas, os silêncios, os olhares trocados… tudo contribui para uma construção de personagens digna de um RPG de excelência. Ao longo da aventura, senti que não estava apenas a liderar um grupo — estava a caminhar lado a lado com pessoas que me importavam genuinamente. E isso torna cada escolha, cada batalha e cada perda muito mais difícil de suportar, mas cada vitória, um verdadeiro êxtase de emoção.

Essa ligação emocional intensa que criamos com as personagens torna-se ainda mais significativa quando entramos em combate. Clair Obscur: Expedition 33 apresenta um sistema de combate por turnos que, à superfície, parece clássico. Todavia, este rapidamente se revela moderno, dinâmico e profundamente estratégico: cada personagem não só tem o seu próprio papel em batalha, como também carrega mecânicas únicas que refletem a sua personalidade e o seu lugar na narrativa. Os ataques, as habilidades especiais e até os momentos de defesa ou contra-ataque são pensados ao pormenor, e dependem da nossa precisão e reflexos num sistema quase rítmico, que envolve inputs em tempo real durante as ações. Isto faz com que cada confronto seja mais do que simplesmente manobrar um menu de ações.




É preciso analisar vários detalhes: de quem é o próximo turno — de um inimigo ou uma personagem específica? Temos pontos de habilidade suficientes para executar uma determinada skill? Que buffs ou debuffs estão ativos? Quais as resistências e fraquezas dos inimigos? Tudo isto está interligado num sistema de batalha que vai muito além de um combate por turnos tradicional.

A forma como combinamos as habilidades dos diferentes membros da equipa, como gerimos os tempos de ataque e defesa, e como respondemos aos padrões dos inimigos, transforma cada batalha num verdadeiro quebra-cabeças — tanto emocional como mecânico. É um sistema que, entre diferentes esquivas e bloqueios, exige um elevado nível de mestria. Embora seja exigente de dominar, a sensação de satisfação ao conquistá-lo é incomparável.

Essa complexidade no sistema de combate ganha ainda mais relevo graças ao impressionante design dos inimigos que enfrentamos. Cada criatura parece saída de um pesadelo pintado a óleo, misturando o grotesco com o artístico de forma hipnótica. Há algo de profundamente simbólico na forma como os inimigos são concebidos — como se cada um representasse fragmentos do mundo partido que estamos a viver. São visões retorcidas e melancólicas, coerentes com o tom narrativo e visual do jogo, e que ajudam a reforçar a sensação de estarmos a atravessar uma realidade onde tudo é belo e assustador ao mesmo tempo, com uma diversidade de inimigos saudável, fugindo à repetição que muitas vezes sentimos em títulos do género.




E quando falamos de bosses, novamente, Clair Obscur: Expedition 33 eleva tudo a um novo patamar. Estes confrontos não servem apenas como testes à nossa capacidade estratégica — são também eventos profundamente narrativos, carregados de peso emocional. Cada boss é um momento marcante, muitas vezes acompanhado por revelações, confrontos internos ou sacrifícios. A própria escala e intensidade desses combates tornam-nos memoráveis, não só pelo desafio que representam, mas pela forma como nos fazem sentir. Mas há algo que acentua — e de que maneira — estes sentimentos: a sonoplastia e a banda sonora.

A música em Clair Obscur: Expedition 33 não serve apenas de pano de fundo, ela respira com a narrativa, acompanha cada batida emocional e intensifica cada momento de tensão, perda ou esperança. Os temas variam entre composições orquestrais arrepiantes e melodias mais contidas, intimistas, que nos envolvem como se fossem extensões da alma das personagens. Cada faixa parece surgir no momento certo, amplificando tudo o que estamos a sentir. Este é um daqueles raros casos em que fechar os olhos por breves segundos (ou largos minutos a apreciar as musicas, como eu repetidamente fiz) não nos afasta da experiência… aproxima-nos ainda mais dela. Também os efeitos sonoros têm uma atenção minuciosa ao detalhe, onde tudo contribui para uma imersão sonora de excelência. E é precisamente essa imersão, essa soma de elementos que trabalham em uníssono, que faz com que as horas em Clair Obscur: Expedition 33 passem num instante — mas fiquem connosco por muito mais tempo.




Em termos de longevidade, Clair Obscur: Expedition 33 encontra um equilíbrio admirável entre densidade e duração. Esta não é uma experiência que se arrasta por dezenas de horas só por arrastar — é uma jornada que sabe quando acelerar, quando abrandar, e sobretudo, quando parar. A campanha principal oferece uma duração sólida, que pode rondar as 25 a 35 horas dependendo da exploração e do grau de perfeccionismo de cada jogador. Para os mais dedicados, há ainda conteúdos secundários, desafios opcionais e segredos que aprofundam a mitologia do mundo e das personagens. Mas o mais impressionante é que nunca senti tempo perdido. Após a história, quis explorar cada canto do mundo, descobrir tudo o que tem para me oferecer, como se ainda houvesse mais história por descobrir.

Tecnicamente, Clair Obscur: Expedition 33 é também um portento. A qualidade gráfica impressiona tanto na escala como no detalhe — seja nas vastas cidades despedaçadas que exploramos, seja nos momentos mais íntimos, onde a iluminação, os efeitos de partículas e o design de personagens brilham com força. A direção artística é de um requinte raro, mas felizmente apoiada por uma execução sólida: durante toda a minha experiência, não encontrei bugs significativos, quebras de framerate ou problemas técnicos de maior. Ainda assim, há pequenas imperfeições — expressões faciais não tão perfecionistas, ou os cabelos que não têm o mesmo grau de polimento visual do resto do jogo. Mas, curiosamente, senti que essas falhas acabaram por contribuir para a humanidade da experiência. Numa obra onde tudo nos relembra da fragilidade das personagens e do mundo que habitam, até as imperfeições visuais parecem fazer parte da identidade estética. É um daqueles jogos em que o cuidado técnico está ao serviço da arte — e não o contrário — e isso faz toda a diferença.


Conclusão



Clair Obscur: Expedition 33 não é apenas um jogo — é uma experiência que fica na memória. A combinação única de narrativa envolvente, personagens profundamente humanas, mecânicas de combate desafiadoras e um mundo visualmente arrebatador faz com que cada momento vivido dentro deste universo tenha um peso que vai além do digital. A sua capacidade de nos fazer sentir cada emoção, cada perda, cada vitória, é um feito raro e notável no mundo dos videojogos. A sua longevidade não está apenas na quantidade de horas que passamos a jogá-lo, mas na profundidade de ligação que conseguimos estabelecer com ele.

Num panorama onde muitas produções se perdem em fórmulas repetitivas, Clair Obscur: Expedition 33 oferece algo verdadeiramente memorável: uma jornada de emoção, reflexão e crescimento. Para aqueles que buscam não só jogar, mas viver a experiência, esta é uma obra que ficará marcada — e para todos os outros, um convite a descobrir o que há de mais humano e belo nos videojogos. Não se prendam a rótulos que, para muitos, podem ser desencorajadores, como o facto de ser um RPG ou ter combate por turnos. Isto é uma tela. Uma obra-prima.

 

O melhor

  • História intrigante;
  • Sistema de combate original e desafiador;
  • Caracterização do mundo;
  • Banda sonora arrebatadora;

 

Nota do GameForces: 10/10


Título: Clair Obscur: Expedition 33
Desenvolvedora: Sandfall Interactive
Editora: Kepler Interactive
Ano: 2025

Autor da Análise: Filipe Martins

Análise | Clair Obscur: Expedition 33 - Magnifique!  Análise | Clair Obscur: Expedition 33 - Magnifique! Reviewed by Filipe Martins on maio 07, 2025 Rating: 5

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