Alguma vez imaginaram jogar um título ao estilo de Grand Theft Auto, mas na pele dos “bons da fita”? Sim, refiro-me aos polícias que, coitados, apesar de terem como missão ajudar a população e combater o crime, nessa franquia são retratados como alvos a abater e os maiores inimigos dos jogadores. Pois bem, se alguma vez tiveram essa curiosidade, podem satisfazê-la com The Precinct.
Neste título controlamos Nick Cordell Jr., um jovem polícia cujo principal objetivo é descobrir o que aconteceu ao seu pai, também ele agente da autoridade, que foi assassinado em circunstâncias misteriosas. Para chegar à verdade, Nick terá de investigar e desmontar vários grupos criminosos, que poderão estar direta ou indiretamente ligados ao caso. Para isso, contará com a ajuda do seu parceiro Kelly, e juntos terão de realizar patrulhas pela cidade e resolver os diversos crimes que surgem durante os seus turnos de trabalho.
O jogo apresenta uma perspetiva aérea, semelhante à dos títulos mais antigos da série Grand Theft Auto. No entanto, falta-lhe a liberdade e profundidade que tornaram essa franquia tão emblemática. A jogabilidade é simples e, a menos que sejas um grande fã de simuladores, torna-se rapidamente repetitiva. O jogador começa por escolher o turno que deseja realizar, cada um com o seu horário, localização no mapa, tipo de crimes a combater e objetivos a cumprir. Existem diferentes tipos de patrulha: de carro, a pé ou de helicóptero. E, tal como seria de esperar, há uma variedade de crimes, desde simples multas de estacionamento até tráfico de droga, excesso de velocidade ou até mesmo assaltos.
Durante os turnos, não nos deparamos apenas com os crimes principais definidos quando escolhemos o turno. Ao longo da patrulha vão surgindo outros alertas, que podemos aceitar ou recusar consoante a conveniência. Por vezes, estes alertas sobrepõem-se, até enquanto ainda estamos a resolver outro caso, o que compromete a fluidez da jogabilidade. Cada crime pode ser abordado de diferentes formas, exigindo a aplicação de procedimentos específicos, desde identificar o tipo de delito até aplicar as sanções corretas. Para apoiar o jogador, existe um manual que funciona como uma espécie de código penal, acessível a qualquer momento.
Por cada procedimento bem executado, ganhamos XP. Por exemplo, informar o suspeito dos seus direitos, pedir identificação ou classificar corretamente o delito dá-nos pontos de experiência. Pelo contrário, ações incorretas penalizam-nos com perda de XP. No final do turno, essa pontuação é somada e influencia a progressão do personagem.
Após cada turno, regressamos à esquadra. Consoante o desempenho, Nick sobe de nível e apresenta as pistas recolhidas, que podem ou não ajudar a desvendar a identidade dos líderes das organizações criminosas. No entanto, apesar de o sistema ser simples e inicialmente intuitivo, torna-se repetitivo e cansativo. A obtenção de pistas úteis é completamente aleatória, tanto podemos encontrar 20 provas das quais 5 são relevantes, como encontrar as mesmas 20 e nenhuma contribuir para o avanço da história. O resultado é uma necessidade constante de repetir missões, ou seja, fazer “grind”, o que prejudica a experiência geral.
O jogo inclui ainda situações mais perigosas, como perseguições e tiroteios. No papel, o sistema de perseguições é promissor: ao aproximarmo-nos de um veículo suspeito, barras no topo do ecrã vão sendo preenchidas e, ao atingir determinados níveis, podemos solicitar reforços, sejam viaturas, colocação de pregos na estrada ou apoio de helicóptero. O problema é que, na prática, estes apoios ou não chegam, ou são completamente inúteis. Muitas vezes solicitei reforços e ou não apareciam, ou surgiam mas sem qualquer eficácia. A inteligência artificial dos NPCs é extremamente limitada: já me aconteceu ver viaturas da polícia a ignorarem por completo o veículo em fuga, ou a colocarem armadilhas em locais por onde o suspeito nunca iria passar.
Existe também a possibilidade de forçar o criminoso a desistir da fuga através de avisos verbais. Podemos, assim, capturar o suspeito ou levá-lo a render-se. No entanto, há fugas que se tornam ridículas, com os veículos dos criminosos a parecerem carros de Fórmula 1. Não sei se o problema está na lentidão dos carros da polícia ou na velocidade absurda dos veículos dos fugitivos, mas houve muitas situações em que nem cheguei a ver a matrícula do carro que devia perseguir.
Este sistema aplica-se também às perseguições a pé. A personagem pode intimidar verbalmente o suspeito, utilizar um taser (a opção mais difícil) ou tentar uma placagem física. No entanto, mais uma vez, torna-se quase impossível deter os criminosos. Correm como chitas, enquanto a nossa personagem se arrasta lentamente, limitada por uma barra de stamina que esgota rapidamente e demora uma eternidade a recarregar.
Se as perseguições já são complicadas, os tiroteios são simplesmente irritantes. O sistema de mira lembra os velhos jogos de arcade, permitindo apontar livremente no ecrã, algo que, aliás, dificulta ainda mais o uso do taser nas perseguições. A nossa personagem só se consegue proteger atrás de objetos baixos, como muros e carros. Já os inimigos têm resistência aleatória: ora morrem com um tiro, ora precisam de vinte para caírem, como se fossem feitos de metal.
A inteligência artificial de Kelly e dos restantes NPCs aliados é igualmente frustrante. Muitos crimes envolvem dois suspeitos, o que exige que apanhemos um de cada vez. Porém, Kelly nunca apanha ninguém. Já me aconteceu um criminoso render-se enquanto o outro fugia, e Kelly, em vez de deter o primeiro, ficava simplesmente parado, o que resultava na fuga de ambos e na perda de XP.
Nas patrulhas de helicóptero, o cenário repete-se. A nossa função é seguir o suspeito, iluminá-lo com o holofote, ameaçá-lo e chamar reforços. Porém, mesmo que o criminoso se renda, raramente aparece uma unidade em terra para o prender. Já me vi a chamar tanto apoio que o minimapa ficou coberto dos pontos azuis representam os polícias, e mesmo assim, nenhum deles foi capaz de prender o suspeito.
Vendo o copo meio cheio, a condução, embora desafiante, é bastante satisfatória. A cidade é quase totalmente destrutível: árvores, postes, muros... tudo pode ser derrubado. O ambiente urbano, apesar de visualmente cinzento e algo monótono, é funcional e até agradável. Contudo, o jogo sofre com a falta de conteúdo adicional. Para além das missões policiais, temos apenas alguns pontos no mapa dedicados a corridas, que nada têm a ver com a narrativa, e que nem sequer são mencionados no tutorial. Há ainda alguns colecionáveis e rampas de salto com distâncias a atingir… e pouco mais. A cidade está praticamente despida de vida e de atividades paralelas que tragam variedade à experiência.
Em termos de performance, são visíveis quebras de fotogramas e diversos glitches visuais, objetos com os quais devíamos interagir que não aparecem, inimigos que ficam presos debaixo do chão, entre outros erros técnicos. A nível sonoro, o jogo não apresenta problemas significativos, e até gostei bastante das músicas incluídas. Apenas senti falta de algo que poderia elevar a imersão: rádios nos carros por exemplo, uma adição simples que daria mais personalidade à condução.
Conclusão
The Precinct parte de uma premissa promissora, colocar-nos no lugar de um agente da autoridade numa cidade dominada pelo crime, mas infelizmente não consegue manter essa ambição ao longo da execução. Apesar de oferecer uma jogabilidade acessível e um sistema de progressão interessante, a repetitividade das tarefas, a dependência exagerada de grind, os problemas sérios de inteligência artificial e a fraca variedade de conteúdo acabam por tornar a experiência frustrante a médio e longo prazo.
As perseguições, que deveriam ser momentos de tensão e adrenalina, rapidamente se transformam em provas de paciência. Os tiroteios, em vez de desafiarem o jogador, tornam-se desequilibrados e irritantes. A ausência de vida fora das patrulhas, como atividades paralelas relevantes ou interações mais ricas com o mundo, deixa a cidade cinzenta não só no ambiente, mas também no conteúdo.
Ainda assim, nota-se que existe aqui um conceito com potencial. Com ajustes na IA, mais variedade de missões e melhorias na fluidez do gameplay, The Precinct poderia afirmar-se como uma proposta sólida para quem sempre quis ser "o polícia" no estilo GTA. Neste momento, é uma experiência que pode entreter durante algumas horas, mas dificilmente manterá o interesse a longo prazo, especialmente para quem procura profundidade ou um mundo realmente vivo e envolvente.
O melhor
- Conceito original e diferente;
- Diversos tipos de patrulha;
- Cidade com ambiente destrutível;
- Sistema de XP baseado em conduta policial correta.
O pior
- Jogabilidade extremamente repetitiva e baseada em grind;
- Inteligência artificial dos NPCs fraca;
- Sistema de perseguições mal implementado;
- Mundo vazio e falta de conteúdo fora das missões;
- Glitches visuais e quebras de desempenho frequentes;
- Tiroteios mal equilibrados e mecânicas de cobertura limitadas.

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