Depois de ter passado por universos como Castlevania e Metroid, o estúdio espanhol MercurySteam regressa agora com Blades of Fire, um novo jogo de ação que aposta numa experiência desafiante, com fortes influências dos chamados soulslike. Entre uma atmosfera sombria, um mundo interligado e um sistema de progressão pouco convencional, este título convida-nos a empunhar o martelo de Aran de Lira e a enfrentar os horrores de um reino mergulhado no caos.
A história desenrola-se num mundo amaldiçoado pela tirania da Rainha Nerea, que, com um feitiço, transformou todo o aço em pedra, tornando inúteis as armas convencionais e mergulhando o continente num caos governado por criaturas monstruosas sob o seu controlo. A Aran é entregue a um dos lendários Martelos dos Forjadores, uma das poucas ferramentas capazes de criar e empunhar armas que fujam ao feitiço da Rainha. Acompanhado pelo jovem erudito Adso de Zelk, ele parte numa jornada até ao Palácio Real para pôr fim a este reinado.
Ao longo da missão, cruzam-se com alguns aliados inesperados, numa narrativa que, apesar de simples nos seus contornos, se destaca por momentos emocionalmente carregados e uma construção de mundo consistente e misteriosa. No entanto, a história raramente é o foco principal e acaba por ser apresentada de forma muito fragmentada, deixando muitas motivações por explorar e personagens secundárias pouco desenvolvidas. Só mesmo já na reta final do jogo são introduzidos elementos no enredo que ajudam a criar algum interesse adicional na história. Existem documentos e diálogos opcionais que ajudam a construir o lore, mas a falta de aprofundamento nas relações entre personagens acaba por enfraquecer o impacto emocional da jornada.
Em todo o caso, o universo de Blades of Fire é um dos pontos mais fortes da experiência. O mapa, à semelhança dos melhores exemplos do género soulslike, é totalmente interligado — repleto de atalhos, passagens secretas e zonas que se revelam gradualmente à medida que novas ferramentas ou conhecimentos são adquiridos. Há um prazer tangível em descobrir um novo caminho que leva a uma zona previamente inacessível, ou em encontrar uma bigorna esquecida que funciona como ponto de descanso — com a inevitável consequência de fazer reaparecer todos os inimigos da área. Esta estrutura encoraja a exploração e recompensa a atenção ao detalhe, mantendo sempre um equilíbrio desafiante entre risco e recompensa.
A jogabilidade, embora herde claramente e novamente da fórmula soulslike, distingue-se pela ausência de um sistema de níveis tradicional. Em vez de subir de nível, a progressão do jogador assenta quase exclusivamente na criação de novas armas através de um sistema de forja profundamente integrado no mundo e na narrativa. Para fabricar uma arma, é necessário derrotar certos inimigos e recolher recursos como ferro e madeira. Aqui, importa referir que os diferentes tipos de armas não são melhores ou piores entre si — a sua eficácia depende sempre do inimigo enfrentado. Por exemplo, alguns adversários são vulneráveis a espadas, mas resistentes a lanças ou martelos. Este sistema obriga o jogador a manter um arsenal variado e a adaptar-se constantemente às situações de combate.
Além disso, Blades of Fire introduz um sistema direcional de ataque em quadrantes — esquerda, direita, cima e baixo — com cada botão do comando a representar uma direção distinta. Isto é especialmente relevante porque certos inimigos apresentam vulnerabilidades específicas consoante a direção e o tipo de arma utilizada. A leitura rápida dos padrões de ataque e defesa torna-se, assim, essencial, exigindo concentração constante e uma execução metódica entre esquivas, bloqueios e golpes bem colocados.
No entanto, esta abordagem também traz algumas limitações. A ausência de progressão por níveis pode afastar jogadores que valorizam um crescimento mais personalizável da personagem. Por outro lado, a repetição dos mesmos tipos de ataque pode gerar alguma monotonia. Em zonas mais densas ou com múltiplos inimigos, a necessidade constante de gerir armas, durabilidade e direções de ataque pode tornar-se exaustiva, retirando fluidez ao combate.
O sistema de crafting não se limita apenas à criação de armas mais fortes: cada arma forjada recebe um número de Estrelas de Forja, que determina quantas vezes pode ser reparada durante o combate. Isto obriga o jogador a fazer escolhas estratégicas — entre investir em materiais raros ou tentar maximizar a durabilidade com recursos mais acessíveis. Mesmo com aço de qualidade inferior, é possível criar armas “Finas” com elevado número de estrelas, o que adiciona uma camada tática interessante à progressão. Esta mecânica, que alia personalização e sobrevivência, torna o martelo de Aran o verdadeiro protagonista silencioso do jogo. Mas, apesar disso, a rigidez do sistema de crafting pode causar frustração a quem preferiria simplesmente melhorar as armas com os recursos recolhidos, sem ter de tomar várias decisões estratégicas na sua criação.
Visualmente, Blades of Fire é interessante e robusto. MercurySteam opta por um estilo artístico realista, mas complementado por uma paleta de cores vibrantes. Os cenários refletem bem as zonas onde nos encontramos — com pântanos tingidos de verdes frios, florestas densas e iluminadas, ou fortalezas banhadas por tons metálicos e cinzentos. Os inimigos variam entre soldados corrompidos, aberrações grotescas, esqueletos ou mesmo monstros saídos de contos de fadas — todos com animações convincentes e padrões de ataque bem diferenciados.
A nível técnico, o jogo corre de forma sólida, com tempos de carregamento mínimos — nomeadamente ao utilizar-mos o fast travel entre pontos de descanso — as forjas. Ainda assim, existem alguns problemas de colisão em combate, com armas a embaterem em elementos do cenário que não são visíveis de certos ângulos de câmara. É uma falha menor, mas que pode quebrar ligeiramente o ritmo em situações mais apertadas. A banda sonora é discreta, deixando que o som ambiente ganhe protagonismo. O ruído dos passos, os ecos do metal e os grunhidos das criaturas contribuem para uma tensão constante que sustenta bem a atmosfera.
Conclusão
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela editora.
Autor da Análise: Filipe Martins
Blades of Fire não tenta reinventar o género, mas reinventa-se dentro das suas próprias regras. Ao abdicar do tradicional sistema de níveis e centrar toda a progressão na forja e personalização de armas, oferece uma experiência mais focada e coesa. Pode não agradar a todos — especialmente a quem procura abordagens mais acessíveis — mas quem estiver disposto a enfrentar os seus desafios encontrará aqui uma aventura rica, envolvente e memorável.
MercurySteam assina assim um título que honra as suas influências sem nunca se tornar refém delas, e que prova que há ainda espaço para inovação dentro de uma fórmula já bem estabelecida. Blades of Fire é, acima de tudo, um jogo de resistência — física, emocional e criativa — onde cada combate vencido, cada arma forjada e cada passo dado no desconhecido contam.
O melhor
- A forma como adapta elementos clássicos dos soulslike sem os copiar diretamente;
- Design de níveis coeso e inteligente, com um mapa interligado cheio de segredos e atalhos;
- Sistema de crafting das armas complexo e interessante;
O pior
- A narrativa é pouco explorada e acaba por perder impacto;
- Algumas texturas desaparecem em certos movimentos da câmara;
Nota do GameForces: 7.5/10
Título: Blades Of Fire
Desenvolvedora: MercurySteam
Editora: 505 Games
Ano: 2025
Autor da Análise: Filipe Martins
Análise | Blades Of Fire - A Alma de um Soulslike, o Corpo de Outra Coisa
Reviewed by Filipe Martins
on
junho 02, 2025
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