Momentos de aniversário são também mote para instantes de reflexão. Para este aniversário desta grande equipa, fomos questionados sobre algum jogo que nos tivesse marcado ao longo da nossa vida. e quando este tema vem à baila, há sem dúvida vários títulos que merecem destaque. Seja pelo impacto que tiveram em mim enquanto criança ou jovem adolescente, pelas histórias emotivas ou pelas lições morais que delas retirei — ou ainda pelo género de jogo que sinto que ajudou a moldar um pouco da minha personalidade.
Entre todos, o género co-op (jogos de cooperação entre jogadores) é atualmente o meu predileto e onde invisto mais o meu tempo de lazer, o que me levou ao exercício mental de recordar qual teria sido o primeiro jogo desse género que joguei. Numa viagem longa e, de certa forma, assustadora pela memória, volto a ter 6 ou 7 anos.
O meu primeiro contacto com o co-op levou-me diretamente ao que eu chamo, e irei sempre chamar, o “jogo dos tanques”, que é, nada mais nada menos que, Battle City.

Mas para quem nunca ouviu falar de tal jogo, Battle City foi lançado originalmente em 1985 pela Namco para a Famicom (e mais tarde adaptado para a NES, onde eu joguei), e é um jogo de ação com perspetiva top-down, em que o objetivo era defender a base aliada enquanto se destruíam os tanques inimigos. Cada nível apresentava um mapa com diferentes tipos de blocos — alguns destruíveis, outros indestrutíveis — o que exigia planeamento e posicionamento estratégico. O modo cooperativo para dois jogadores permitia uma interação direta e constante — algo raro na altura, dada as limitações financeiras para ter outras consolas e jogos. Battle City estabeleceu ainda algumas bases que viriam a influenciar futuros títulos de ação e estratégia, como Bomberman — outro jogo que gerações mais recentes talvez também desconheçam, o que, de certa forma, é novamente, assustador para a minha.
Um jogo simples na superfície, mas que tinha tudo — pelo menos para uma criança daquela idade e naquela altura. Mapas cheios de obstáculos, power-ups que mudavam a dinâmica da partida e a constante necessidade de trabalhar em equipa. Jogar com a minha irmã mais velha (que a relação alternava muito rapidamente de melhores amigos a inimigos com provações à mistura), alguns colegas da escola ou vizinhos da praceta transformava cada partida numa pequena aventura, e cada vitória era comemorada como um feito épico. Era uma experiência única — o riso partilhado, a surpresa de um movimento inesperado, os gritos de “vai prali, destrói aquele, vai, vai!” e o planeamento de estratégias, mesmo que simples, traziam uma felicidade muito específica.
![]() |
| a complexidade de um jogo dessa altura |
Hoje, admito que, para mim, o co-op local perdeu protagonismo. A tecnologia mudou, os ecrãs divididos deram lugar a sessões online, e a sensação de proximidade física desapareceu. Mas, curiosamente, a essência dessa experiência não morreu.
Graças à internet e às plataformas modernas, é possível viver algo quase idêntico com alguém a quilómetros de distância. Um título que tenho de destacar deste género, e que deixou uma marca importante em mim durante a adolescência, foi World of Warcraft. Numa fase conturbada da vida, investi muito tempo — hoje reconheço que de forma pouco saudável — mas vivi aventuras e momentos com jogadores de todo o mundo. A vertente de cooperação deste jogo era a que mais me fascinava. Liderar raids com 15 ou 20 pessoas, organizar grupos, preparar estratégias e coordenar cada papel era algo completamente novo para mim e, apesar de me ter roubado muitas horas de sono, foram experiências que guardo até hoje com carinho.
Agora, com a rotina adulta, títulos como Helldivers 2 e Elden Ring: Nightreign trouxeram-me amizades que se traduzem em conversas praticamente diárias, muitas delas já fugindo do espectro dos videojogos para algo mais pessoal. A voz de malta amiga pelo microfone, os planos coordenados em tempo real, as vitórias partilhadas e até as derrotas frustrantes continuam a criar memórias. Diferentes, sim — transformadas pelo digital — mas igualmente poderosas.
Talvez o Battle City, como jogo, não tenha sido o mais marcante. Mas como género, teve um dos impactos mais profundos na minha vida atual. É essa a beleza do co-op: cria histórias que vão muito além do ecrã, memórias que carregamos connosco e que nos ligam a pessoas que, de outra forma, talvez nunca tivéssemos conhecido.
![]() |
| Em Co-op! |
Talvez seja isso que mais me fascina no conceito de jogar em conjunto: a forma como o co-op é, na verdade, um reflexo da própria vida. A necessidade de confiar no outro, de aprender a ceder, de perceber que a vitória só é possível quando todos remam na mesma direção. Jogar em equipa ensina-nos empatia e paciência — duas qualidades que, ironicamente, se revelam tão ou mais necessárias fora do ecrã e que, infelizmente, começam a tornar-se escassas. Em cada partida partilhada há sempre uma pequena lição sobre colaboração, falha e crescimento.
Quando penso nas pessoas com quem já partilhei mundos virtuais — alguns que conheci pessoalmente, outros que talvez nunca venha a encontrar — percebo que essas experiências deixaram marcas reais. Foram horas de riso, frustração e superação que me moldaram tanto quanto qualquer lição da vida adulta. Porque, no fundo, jogar em co-op é uma forma de viver em comunidade, mesmo que essa comunidade exista num espaço digital.
E é talvez por isso que continuo a procurar essas experiências. Porque, por detrás dos gráficos e das mecânicas, há sempre o mesmo impulso humano: o de partilhar algo com alguém. Seja num sofá, lado a lado, ou através de auscultadores e microfones, o verdadeiro jogo que me marcou não foi apenas o Battle City — foi a descoberta de que, sozinho, o jogo nunca é o mesmo.
Autor do Artigo: Filipe Martins
Reviewed by Filipe Martins
on
novembro 05, 2025
Rating:










Sem comentários: