Análise | Simon the Sorcerer Origins – O Feitiço da Velha Escola


Há qualquer coisa de especial quando um clássico regressa com alma nova. Já no passado notei isso com Return to Monkey Island, e agora noto-o com Simon the Sorcerer Origins: um regresso que não se limita a revisitar o passado, mas que o faz com a elegância de quem sabe porque é que o original se tornou lendário. A Smallthing Studios pegou no icónico feiticeiro de chapéu pontiagudo e sarcasmo afiado, e decidiu contar-nos como tudo começou. O resultado é um jogo que transborda personalidade, talento e uma inesperada frescura para um género que muitos davam por adormecido.

Sim, sou confesso apaixonado pelo género “point and click” e por isso mesmo consigo afirmar que desde os primeiros minutos, percebe-se que estamos perante uma carta de amor a este género de aventuras que viveu o seu apogeu durante a década dos anos 90. A estética “point and click” mantém-se firme, sendo agora acompanhada por visuais deslumbrantes baseados na percepção por parte do jogador que cada ilustração demonstra um cuidado extraordinário na sua concepção. 

Todos os cenários e personagens foram desenhados à mão, denotando um calor, uma textura e uma humanidade nesses traços que simplesmente não existem em imagens geradas por inteligência artificial. Enquanto muitos estúdios recorrem a ferramentas de IA para acelerar processos de produção, Simon the Sorcerer Origins mostra o valor do toque humano: os rostos expressivos, as sombras pintadas com delicadeza e o humor visual subtil só são possíveis quando há um artista por trás, não um algoritmo. Jogar isto é como folhear um livro de arte interativo, revelando-se impossível não parar para simplesmente apreciar a arte perante nós.


O uso da cor é particularmente notável. Cada ambiente, desde a floresta misteriosa ao quarto caótico de Simon tem uma paleta própria, rica e coerente. É como se cada zona tivesse uma alma distinta. Se tivesse que puxar por referências, diria haver influencias por trabalhos das LucasArts, Sierra  ou Revolution.  É um trabalho visual dentro do género, mas que apresenta uma fluidez moderna, animações suaves e uma direção artística renovada.

Também no quesito da banda sonora, Simon the Sorcerer Origins é uma autêntica viagem que eleva cada momento. Mason Fisher, nome consagrado por trabalhos como Eye of the Beholder, Age of Wonders e F.E.A.R., assina uma composição que equilibra o humor com o misticismo, o toque de aventura com a melancolia da descoberta. Fisher mostra aqui o seu lado mais versátil, ora embalando-nos com melodias encantadas, ora atirando-nos para ritmos enérgicos e quase cinematográficos. É um daqueles casos em que a música não serve apenas o jogo, mas ajuda a contá-lo. E se a sua participação já seria suficiente para impressionar, o elenco sonoro reserva outra surpresa: Rick Astley, o eterno intérprete de “Never Gonna Give You Up”, também marca presença. Sim, Rick Astley está mesmo envolvido neste projeto e, incrivelmente, a sua contribuição encaixa como uma luva! A sua voz aparece de forma inteligente, nunca gratuita, acrescentando uma nota divertida e inesperada a um jogo que vive do equilíbrio entre a ironia e o encanto.


O voice acting é outro trunfo. Chris Barrie, conhecido de séries como Red Dwarf, volta a dar voz ao protagonista com o mesmo tom meio arrogante, meio carismático, que tornou Simon inesquecível. A performance de Barrie é simplesmente deliciosa, onde cada linha de diálogo vem carregada daquela ironia britânica que é quase uma marca registada da série. Por fim, a cereja no topo do bolo: Simon the Sorcerer Origins inclui uma vasta gama de traduções de texto, tornando-o acessível a um público global sem sacrificar o humor. É raro ver tanta atenção à localização num título deste tipo, e é algo que merece aplauso.

Quem o conhece sabe que o verdadeiro segredo do charme de Simon the Sorcerer sempre foi o humor. Pois deixem-me aclamar que, felizmente, ele está mais vivo do que nunca. O jogo está repleto de piadas que piscam o olho à cultura pop contemporânea, referências que vão desde o cinema aos videojogos, e trocadilhos que arrancam sorrisos constantes. Há momentos em que é impossível não rir, e não apenas pelo que é dito, mas pela forma como é dito ou pela reação/animação da personagem. O timing cómico das situações está no ponto, sendo o mais notável que, mesmo quando as piadas parecem absurdas, quase nunca quebram o ritmo nem o tom da história. São parte orgânica do universo, não simples interjeições forçadas. O Simon continua a ser um anti-herói delicioso: convencido, preguiçoso, mas no fundo irresistivelmente humano. A sua maneira de reagir ao absurdo do mundo mágico mantém o espírito original, e essa coerência é fundamental para o sucesso da narrativa.


A nível de jogabilidade, Simon the Sorcerer Origins é fiel às suas raízes, recorrendo à fórmula clássica de exploração de cenários, recolha de objetos  combiná-los para resolver puzzles. Contudo, notamos um esforço por parte do estúdio em ir mais além, introduzindo puzzles de lógica que exigem mais observação do que tentativa e erro e até momentos em que o diálogo se transforma no verdadeiro desafio (dizer a coisa certa, no tom certo). É notório que o estúdio pensou em alguns elementos de qualidade de vida: há indicações subtis para objetos interativos, atalhos para evitar repetições e até a possibilidade de acelerar deslocações. Tudo isto mantém o charme old school sem cair na frustração que tantas vezes afasta novos jogadores deste género.

Do ponto de vista narrativo, a prequela funciona surpreendentemente bem. Conhecemos um Simon mais jovem, menos confiante e ainda a tentar perceber o seu lugar no mundo. Existe um toque que humaniza o personagem, providenciando-lhe um novo nível de profundidade ao seu sarcasmo habitual. A história desenrola-se com bom ritmo, alternando momentos de comédia com pequenas doses de emoção genuína. Nota-se algumas criticas sociais leves, assim como uma sátira subtil, pois afinal este é um universo onde o absurdo é lei, e o jogo não perde oportunidade de o usar para fazer-nos rir de nós próprios.


Tal como os clássicos que o inspiraram, Simon the Sorcerer Origins é uma aventura fundamentada tanto pela experiência como pelo desafio. Certamente não é um jogo feito para testar reflexos, mas sim convidar-nos a observar, escutar e pensar… Mas isso não significa não haver desafio. Há puzzles que se revelam demasiado elaborados/complexos de discernir e algumas dicas são tão subtis que tornam complicada a progressão natural da experiencia.

Portanto, mesmo com todo o brilho, há espaço para pequenos tropeços:  um ou outro puzzle menos intuitivo, uma piada que não acerta totalmente, um momento em que o ritmo abranda em prol destas situações. O jogo beneficiaria de um sistema de dicas ou guia para estas ocasiões… e conhecendo Simon, até poderia ser implementado numa forma que ridicularizaria o jogador (mas sempre na vertente cómica!). Ainda assim, são detalhes menores num quadro global de enorme qualidade. O jogo sabe o que quer ser, e faz isso com confiança e coração.


Conclusão

Posso afirmar sem qualquer dificuldade que Simon the Sorcerer Origins é uma celebração do que torna os videojogos especiais. Desde a arte feita à mão, passando pela música composta, as interpretações dos atores de vozes e o humor que nos acompanha do início ao fim… tudo aqui grita autenticidade. É um tributo ao passado e uma prova de que há espaço para o género no futuro. É na sua essência um título para quem cresceu com as aventuras gráficas, mas a verdade é que tem argumentos para também demarcar-se o suficiente para angariar novos jogadores. No final um jogo divertido, bonito e com alma apela a qualquer um!

 

O melhor

  • Arte desenhada à mão absolutamente deslumbrante
  • Banda sonora inspirada de Mason Fisher (e participação de Rick Astley!)
  • Voice acting de topo
  • Humor afiado e cheio de referências à cultura pop


O pior

  • Alguns puzzles menos intuitivos 
  • Ritmo irregular em certas secções




Nota do GameForces: 8.5 /10


Título: Simon the Sorcerer Origins
Desenvolvedora: SmallThing Studios
Editora: ININ Games
Ano: 2025


Autor da Análise: Carlos Silva


Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela editora.

Análise | Simon the Sorcerer Origins – O Feitiço da Velha Escola Análise | Simon the Sorcerer Origins – O Feitiço da Velha Escola Reviewed by Carlos Silva on outubro 28, 2025 Rating: 5

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