Análise | Ghost of Yotei – A Vingança Nunca Foi Tão Bela




Quando comecei Ghost of Yōtei, a sensação imediata foi a de “já vi isto antes”. O jogo herda muito do seu antecessor Ghost of Tsushima, tanto em DNA como em atmosfera, mas também há uma clara evolução. A Sucker Punch pegou no que funcionava, limou algumas arestas, insistiu num notório grau de polimento e introduziu certas mecânicas para tornar a experiência mais rica (embora sem revolucionar aquilo que é uma experiencia single player).

No combate, por exemplo, a mudança mais visível passa pela substituição das poses de luta, utilizadas por Jin Sakai,  pelas diferentes armas de Atsu. Neste título contamos não somente com a tradicional katana, mas também com a katana dupla, odachi, lança (yari) ou kusarigama. Cada uma com vantagens e desvantagens consoante os inimigos. Isso torna o combate menos “um método serve para todos” e mais sobre escolher, adaptar, experimentar. Este novo título também apresenta mais peso na importância do timing (parries, contra-ataques) e na gestão de armamento, do que na força bruta ou na capacidade de "Button Samshing"...é definitvamnte uma experiência mais desafiante (mas não punitiva em demasia) que a anterior.



As secções furtivas também tiveram umas melhorias, embora mais modestas. Em Yōtei, há mais opções para se aproximar do stealth: uso de kusarigama para ataques à distância que custam “spirit points”, upgrades que permitem remover esse custo ou capacidade de abater inimigos maiores. Há também uma abordagem mais natural para algumas missões e para informações sobre os alvos, com pistas no mundo em vez de simplesmente tarefas “vai ali, mata este, entrega aquilo”. Estas melhorias tornam o stealth numa escolha mais viável (e em alguns momentos preferível) do que era em Tsushima, onde muitas vezes somente poderiamos considerar como que uma variação ou um modo de aproximar do combate. Há momentos em que stealth resulta melhor, e isso ajuda a quebrar a monotonia de lutas constantes.

No mundo aberto, percebe-se uma tentativa de evitar os defeitos que alguns apontaram no primeiro jogo: o mapa parece mais focado, menos cheio de tarefas repetitivas só para preencher espaço. Há certamente inumeras side-quests, mas estas apresentam-se melhor construídas. Por outro lado o mapa também contempla pontos de interesse com carácter e ambientações diferentes (biomas, clima, efeitos visuais) mais convincentes. Em muitos casos senti que Yōtei é mais contido em escala, mas ao mesmo tempo mais profundo nas suas partes, introduzindo uma melhor densidade em prol do tamanho exagerado.



Passando para a temática e caracterização das personagens, especialmente Atsu: ela é uma vingadora, uma mercenária, alguém que sofreu muito. Na sua procura por vingança, pela morte da sua familia, ela escapou, treinou, viveu afastada até voltar para confrontar os responsáveis. Isso dá-lhe uma motivação clara, um propósito forte, mas sinto que falta daquele “crescimento interior” tão bem trabalhado com Jin Sakai em Tsushima. Jin tinha conflitos morais, o peso da honra, da tradição, de abandonar aquilo em que foi criado por causa do bem maior, traços que se vão revelando aos poucos e que te fazem questionar as ações dele, assim como a sua identidade enquanto “Ghost”. A sua frase "E tu és escravo dela", nos eventos finais de Ghost of Tsuhima quando acusado pelo seu adversário final de não ter honra, ainda pernoita pela minha memória passado todos estes anos... Algo que demonstra a extraordinária revolução introspectiva, que facilmente consegue se associar à realidade da cultural Nipónica.

Em comparação, Atsu aparece muito mais focada na vingança pura — é, de facto, uma “onryō”, espírito de vingança, e isso molda toda a sua personalidade. Há momentos em que ela mostra mais do que raiva: há empatia, há momentos emotivos em aventuras secundárias. Um importante exemplo é a sua reação emotiva quando, após conceder uma última música a um enimigo, esta o enterra e nota-se claramente que este evento a afectou e comoveu. Mas essas instâncias parecem menos centrais do que os momentos comparáveis em Tsushima, onde o protagonista se vê obrigado a lidar com sacrifícios, decisões que desafiam sua própria ética. Com Yōtei, parece que a narrativa de Atsu está mais no modo “missão pessoal” do que “evolução moral”. Este detalhe em particular significou para mim que a sua jornada não se torne tão envolvida emocionalmente quanto Jin.



Quanto à história de vingança: sim, é um tema velho no mundo dos videojogos (e em narrativas em geral). Já vimos em Tsushima (apesar de ali estar misturado com invasão, honra e tradição), em Sekiro, em Assassin’s Creed Valhalla, etc. A vingança funciona porque dá motivação clara e conflito interno, mas corre o risco de se tornar cliché se não trouxer algo de novo. Yōtei consegue evitar alguns clichés ao inserir o folclore japonês (o conceito de onryō), ao ambientar em regiões menos exploradas (Ezo / Hokkaido) e ao usar situações secundárias que forçam a Atsu a demontrar aquilo que ela sente, não só o que ela quer fazer. Mas em muitos momentos o fio narrativo principal é bastante previsível: “matar cada membro dos Yōtei Six”, encontrar o chefe final, vingança da infância, confrontos, etc. Não há nada de errado nesta estrura narrativa, simplesmente... não surpreende muito.

Em comparação, Jin tinha esse elemento de novidade, de “samurai que abdica da tradição” que dava uma camada extra — não era só “vingança”, era “o que é ser samurai”, “o que sacrificas para salvar outros”. Em Yōtei percebe-se mais isso na ambientação, no mundo, nas pequenas escolhas, mas menos na personagem central. Em particular na forma de como as diversas personanges secundárias tratam Atsu e em como isso reflecte o panorama cultural do pais na época.



Ainda no que toca a desenvolvimento das personagens secundárias. Ghost of Yōtei também tem aqueles NPCs que aparecem nas side-quests com histórias interessantes, ajudando a compor o mundo e  demonstrando que nem toda a gente se encaixa no arquétipo de “inimigo” ou “vítima”. Isso enriquece o global da experiência, mas infelizmente não compensa totalmente a falta de arco emocional mais forte em Atsu, colocando-a em dúvida, enfrentando dilemas morais pesados, conflitos internos que realmente mudem a pessoa numa forma sentida.

No seu todo, Ghost of Yōtei é um título muito competente, que mostra crescimento face ao anterior. Técnica e esteticamente está acima em vários aspetos: visuais, ambiente, clima, diversidade de armas, fluidez de combate, perspectiva de liberdade em missão e em exploração. Mas não consegue, pelo menos para mim, alcançar aquele patamar de profundidade narrativa e de caráter moral que Ghost of Tsushima atingiu com Jin.



Visualmente, Ghost of Yōtei continua a ser um colosso técnico. A direção artística mantém aquele equilíbrio entre realismo e estética cinematográfica japonesa, com campos cobertos de neve e névoa, templos abandonados e aldeias devastadas pela guerra que parecem pinturas em movimento. A iluminação dinâmica e o detalhe das texturas, sobretudo nas armas e armaduras, dão-lhe uma elegância impressionante. No entanto, nem tudo corre sempre bem: ao longo da experiência encontrei vários bugs gráficos, como texturas que demoravam a carregar, sombras que piscavam e até alguns problemas de clipping durante cinemáticas. A movimentação da personagem também se revelou um ponto fraco em certos momentos, especialmente em terrenos irregulares, onde o controlo perde alguma precisão e a fluidez se quebra. Não é nada que arruíne o jogo, mas são pormenores que destoam num título com esta ambição técnica.

Já na parte sonora, Ghost of Yōtei volta a brilhar. A banda sonora é uma das peças mais fortes do conjunto, com temas melancólicos que acompanham bem o tom de vingança e isolamento da protagonista. Os instrumentos tradicionais japoneses, como o shamisen e o taiko, misturam-se com arranjos orquestrais modernos de forma muito eficaz, criando momentos de grande impacto emocional. Os efeitos sonoros, desde o som do vento a cortar pela floresta até o eco metálico das espadas, mantêm um nível de detalhe e realismo notável. A dobragem, tanto em japonês como em inglês ou Português, é competente, embora recomende vivamente jogar na língua original, onde as interpretações soam mais autênticas e expressivas. Mesmo com os problemas técnicos, Yōtei continua a ser um jogo que impressiona pelos sentidos, e o seu som é, sem dúvida, uma das razões pelas quais vale a pena mergulhar neste mundo.




Conclusão

Para concluir, se forem jogadores que gostaram bastante de Tsushima, Yōtei vai agradar muito: oferece o que já era bom, melhora muitos pontos menores, traz um novo mundo para explorar, uma protagonista forte, ambientes belíssimos. Agora, se esperavas algo que fosse uma revolução narrativa ou uma personagem com as dúvidas existenciais, os sacrifícios internos, e aquele arco emocional intenso como o de Jin, podes ficar um pouco desapontado: Atsu é mais simples nesse registo, mais directa.

No fim das contas, dou ao Ghost of Yōtei uma recomendação. Vale muito a pena, mas com a ressalva de que é “mais do mesmo, mas melhorado, do que propriamente uma revolução. Talvez no futuro Sucker Punch arrisque ainda mais nessa vertente de crescimento emocional.


O melhor

  • Combate mais variado e fluido
  • Mundo aberto mais denso e coerente
  • Apresentação visual e sonora de excelência
  • Secções furtivas mais relevantes


O pior

  • História de vingança previsível, que repete algumas fórmulas já muito exploradas no género.
  • Atsu tem menos profundidade emocional do que Jin, tornando a jornada menos impactante.
  • Diversos bugs gráficos ao longo do jogo




Nota do GameForces: 8.5 /10


Título: Ghost of Yotei
Desenvolvedora: Sucker Punch Productions
Editora: PlayStation Publishing LLC
Ano: 2025


Autor da Análise: Carlos Silva


Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital para a PlayStation 5, através de um código gentilmente cedido pela editora.

Análise | Ghost of Yotei – A Vingança Nunca Foi Tão Bela Análise | Ghost of Yotei – A Vingança Nunca Foi Tão Bela Reviewed by Carlos Silva on outubro 20, 2025 Rating: 5

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