Proto-Análise | Dispatch - O que temos até agora. (Os primeiros 4 episódios)


 Já imaginaste ser o responsável por decidir que super-herói vai salvar o mundo hoje? Pois é, em Dispatch, não és o tipo com poderes, nem o vilão da história. És o funcionário da central que tem de lidar com ambos.

O jogo da AdHoc Studio, criada por ex-membros da Telltale Games, transforma o conceito clássico dos super-heróis numa comédia de bastidores, onde as tuas decisões definem não só o rumo da história, mas também o caos no escritório. Entre chamadas absurdas, dilemas morais e personagens que parecem saídas de uma série da Netflix, Dispatch tenta provar que salvar o mundo pode ser mais complicado do que parece, especialmente quando o fazes de um cubículo.

Mas será que este conceito resulta mesmo? Ou acaba por ser mais uma boa ideia perdida no meio de escolhas que não mudam assim tanto? Vamos por partes.


A nossa história começa com uma breve apresentação ao nosso protagonista. Através de um confronto com uns inimigos, conseguimos perceber que o mesmo trata-se una pessoa misteriosa, fria, direta, mas com um sentido de humor gigante. Para além disso, é possível perceber como o jogo vai ser jogado: através de escolhas e de Quick Time Events com movimentos do rato (sendo esta segunda opção possível de desativar, ficando assim com uma série televisiva com escolhas, algo que a Telltale nos habituou desde sempre). Porém, nos jogos da mesma, ainda tínhamos algum controlo na personagem. Conseguíamos andar com ela pelo espaço e até interagir com algumas coisas, pois bem, aqui não. 

O grande foco e destaque nesta aventura, ao contrario dos outros jogos de escolhas e narrativa, é a gestão de frota (o verdadeiro significado por traz do título do jogo). Passo a explicar: Após o confronto entre o Mecha Man e os tais vilões, o mesmo perde a sua maior arma, o seu robô gigante. Apesar de ser um super-herói, ele não tem poderes e combate os vilões através do seu fato robótico gigante e da sua inclinação para a informática, mais especificamente para a programação e hacking. Privado do seu trunfo, fica impossibilitado de continuar a ser herói, anunciando então a sua reforma. Até que recebe uma proposta por parte de Chase, um velho amigo de família e também antigo herói (vale salientar que o Mecha-Man é herdeiro de uma família de outros Mecha-Men): gerir a frota de um grupo de heróis, ou seja, dar ordens aos mesmos sobre qual deve ser as suas próximas missões. 


Acontece que Robert é surpreso quando descobre quem é a sua equipa. Apesar dos objetivos nobres, esta é composta por ex vilões que, em troca de liberdade e algum dinheiro, decidiram ajudar o lado oposto da história, dando uso às suas capacidades e poderes para combater o mal. 

Voltando ao tema da gestão de heróis, este é um dos elementos centrais da jogabilidade. Enquanto funcionário da central, não estamos no terreno, mas somos quem decide que herói vai responder a cada situação. Cada chamada que recebemos representa uma crise diferente: pode ser um assalto, um ataque de vilão, um resgate ou até um problema banal que alguém exagerou. Quando a ocorrência é apresentada, temos acesso a uma lista de heróis disponíveis, cada um com características e especializações próprias: alguns são mais fortes e diretos, outros mais estratégicos, e há ainda os que preferem resolver tudo com diplomacia (ou sarcasmo). Cabe a nós avaliar a situação e escolher quem enviar e essa decisão nem sempre é tão simples quanto parece.


Por exemplo, podemos enviar um herói superpoderoso para uma missão simples, que a resolve rapidamente mas deixa outro caso mais urgente sem resposta. Ou podemos escolher alguém emocionalmente instável para lidar com um civil, o que pode gerar resultados inesperados. Tudo isto é acompanhado de diálogos contextuais que mudam conforme as nossas escolhas, dando a sensação de que estamos realmente a coordenar uma equipa de personalidades caóticas e imprevisíveis. Além disso, as nossas decisões vão afetando o moral e a relação entre os heróis. Alguns vão respeitar-nos e seguir as ordens, enquanto outros podem começar a questionar a nossa liderança, especialmente se os colocarmos repetidamente em situações absurdas ou perigosas. Há também momentos em que certos heróis ficam indisponíveis temporariamente, obrigando-nos a adaptar a estratégia com o que resta.

À medida que os episódios avançam, Dispatch começa a mostrar aquilo que realmente o diferencia: a escrita afiada e o ritmo das conversas. Cada chamada é uma pequena encenação, com vozes incrivelmente bem interpretadas e um equilíbrio constante entre drama, ironia e crítica social. O jogo sabe brincar com o absurdo do quotidiano, desde heróis com crises existenciais até cidadãos comuns a ligar por motivos ridículos e é precisamente aí que reside o seu charme. A influência da Telltale Games sente-se em cada segundo: nas pausas dramáticas, nas respostas que parecem ter mais peso do que realmente têm, e naquela sensação de que tudo o que dizes pode (ou não) mudar o rumo da história. No entanto, há uma diferença clara, Dispatch aposta muito mais no humor e na sátira do que na tragédia. Aqui, rir de uma situação desconfortável é quase tão importante quanto decidir quem vive ou morre.


Algumas situações são tensas e bem construídas, forçando-nos a agir sob pressão. Outras, servem apenas para nos lembrar que, mesmo num mundo de super-heróis, o trabalho de escritório continua a ser caótico e burocrático. Ainda assim, há momentos em que a repetição das mecânicas se faz notar, principalmente porque, nesta fase, as consequências das escolhas nem sempre parecem concretas.

Visualmente, o jogo aposta num estilo simples, quase teatral. As expressões faciais e as animações minimalistas ajudam a manter o foco no diálogo, enquanto a iluminação e o enquadramento reforçam o tom cómico-dramático de cada cena. O som, por outro lado, é uma das melhores surpresas: desde as atuações de voz até à banda sonora discreta, tudo contribui para criar uma atmosfera imersiva e cheia de personalidade. Foi possível reparar alguns problemas durante os "quick-time events" o que pode ter causado o desaparecimento destes no terceiro e quarto episódios. Fora isso, nada a apontar.

Conclusão

Com apenas quatro dos oito episódios disponíveis, fica claro que Dispatch ainda está a preparar terreno para algo maior. A narrativa começou a plantar várias sementes, mistérios sobre o passado do protagonista, conflitos internos na central, e até possíveis conspirações entre os próprios heróis, mas ainda falta ver até onde tudo isto vai. O ritmo por vezes oscila entre o brilhante e o arrastado, o que é normal para um projeto episódico, mas reforça a ideia de que esta experiência está longe de estar fechada.

Olhando para os episódios restantes, é possível antever que Dispatch ainda tem muito por explorar. A narrativa, o humor e a dinâmica entre heróis prometem aprofundar-se, e espera-se que as escolhas ganhem mais peso, tornando cada decisão realmente significativa. Os desenvolvedores terão de equilibrar o tom cómico com momentos mais sérios, garantindo que as consequências das nossas ações se sintam tangíveis. É provável que surjam novos heróis, desafios mais complexos e reviravoltas inesperadas, testando não só a nossa capacidade de gerir a equipa, mas também a forma como interpretamos o mundo do jogo. Se a AdHoc Studio conseguir manter a consistência de escrita, a profundidade dos personagens e tornar a gestão de heróis ainda mais envolvente, Dispatch poderá transformar-se numa experiência narrativa completa e memorável.

Até lá, o que temos é uma amostra divertida, inteligente e imperfeita, um lembrete de que nem todos os heróis vestem capas, e alguns apenas tentam não enlouquecer entre uma chamada e outra.


Proto-Análise | Dispatch - O que temos até agora. (Os primeiros 4 episódios) Proto-Análise | Dispatch - O que temos até agora. (Os primeiros 4 episódios) Reviewed by Carlos Cabrita on novembro 06, 2025 Rating: 5

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