Artigo | ZX Spectrum - A Génese de um Jogador

Há ocasiões em que celebramos o tempo, não apenas pelo que passou, mas pelo que nos moldou. E ao assinalar mais um aniversário do GameForces, foi-nos lançado o desafio de escolhermos um jogo que tenha deixado uma marca indelével no nosso percurso pessoal enquanto jogadores. Um título que tenha sido mais do que entretenimento, uma pequena janela para o que somos. Mas, para mim, essa escolha não poderia resumir-se a um simples nome na lombada de uma capa envelhecida. Seria injusto para o que realmente me transformou.

É verdade que títulos como Final Fantasy VIII, responsável por me introduzir ao género que se tornaria o meu preferido, continuam a ocupar um lugar especial na minha memória. Chrono Trigger, por seu lado, acendeu o rastilho do meu fascínio pelo retro gaming. E não posso esquecer The Legend of Zelda: The Wind Waker, que me fez perder horas infinitas nos mares digitais de Hyrule… talvez uma coincidência curiosa com a minha vida profissional enquanto Engenheiro Naval. Mas nada disso seria possível sem o ponto de partida. Antes da magia, antes da narrativa, antes dos mundos abertos, existiu o ZX Spectrum.


Sim, sou de uma geração que testemunhou o nascimento desta pequena máquina quase em simultâneo com a sua chegada a Portugal. Ainda que o véu da nostalgia possa toldar a objetividade, tentarei manter o olhar crítico de quem aprecia o passado sem o idealizar. O ZX Spectrum não foi apenas o meu primeiro contacto com os videojogos, foi o solo fértil onde germinou o meu amor por esta forma de arte.

Passei boa parte da minha adolescência diante daquele teclado de borracha, até aos 18 anos, altura em que um PC finalmente entrou em casa. Foram anos de descobertas, de tentativas e erros, de tardes passadas a decifrar códigos e comandos e de noites em que o som estridente das cassetes a carregar jogos era a trilha sonora dos meus sonhos. Foi nessa época, naquela idade em que moldamos os nossos gostos e definimos o que realmente nos apaixona, que o Spectrum se tornou o meu companheiro inseparável.

Mais do que um simples computador, o ZX Spectrum definiu a forma como ainda hoje olho para esta indústria. Desde então, trago comigo valores que se mantêm inalterados: a primazia da jogabilidade sobre o grafismo; a preferência por experiências completas em detrimento de lançamentos fragmentados; e a importância do equilíbrio entre desafio e diversão. O tempo passou, é certo, e o mercado evoluiu de maneiras inimagináveis, mas os fundamentos, esses, continuam firmes. Talvez por isso, quando ouço debates acesos sobre frames por segundo ou resoluções 4K, sorrio discretamente. Quem viveu o Spectrum sabe que a magia dos videojogos nunca dependeu de números.

Mas deixemos as divagações e olhemos para os três momentos que, a meu ver, sintetizam o que o ZX Spectrum representou (e representa) na minha história como jogador.


O primeiro é inevitavelmente o primeiro jogo que toquei: Thro The Wall. Não me esqueço do espanto de ver aquele bloco saltitante a destruir tijolos coloridos, num loop hipnótico de som e movimento. Era um conceito simples, mas fascinante e, à falta de alternativas, jogava-o incessantemente. Hoje rio-me ao pensar nas horas que gastei com um jogo tão rudimentar, mas foi ali que nasceu o meu gosto pelos “block breakers”. Ainda hoje mantenho esse hábito, quase ritual: sempre que tenho um momento livre, procuro um pequeno jogo desse género no smartphone, como quem regressa a casa por breves instantes.

O segundo momento prende-se com os géneros que moldaram as minhas preferências: os jogos de aventura e plataformas. Chuckie Egg 2, Terramex, Batman: The Movie — nomes que talvez digam pouco às gerações mais novas, mas que me ensinaram muito sobre o prazer da descoberta e do desafio. Eram jogos que pediam paciência, atenção e, sobretudo, imaginação. Cada ecrã conquistado parecia uma vitória épica. Embora os anos tenham passado e o meu interesse tenha evoluído para experiências mais complexas, especialmente o género Metroidvania que herda muito dessa filosofia, ainda encontro ecos daqueles dias em cada novo título que experimento.


Por fim, há o terceiro evento, aquele que comprova como o passado nunca morre verdadeiramente: o renascimento do Spectrum. Quando surgiu The Spectrum, uma versão modernizada e fiel ao computador original, não resisti. Foi como reencontrar um velho amigo… envelhecido, talvez, mas com a mesma alma vibrante. A comodidade de ter os meus antigos jogos em formato digital, carregados em segundos, contrastava deliciosamente com as memórias de outrora, em que cada jogo exigia minutos de paciência e um leitor de cassetes temperamental. E, no entanto, ao jogar novamente, percebi que muitos desses títulos, apesar da idade, continuam a ser incrivelmente divertidos. Alguns envelheceram mal, é verdade, mas outros mantêm uma frescura inesperada, fruto de uma jogabilidade engenhosa e de um design que, mesmo limitado, sabia como capturar a atenção do jogador.

Há algo de quase poético em revisitar esses mundos com o olhar maduro de hoje. Ver o mesmo jogo que, em criança me parecia infinito, perceber como cabia em tão poucos bytes. É um lembrete da criatividade que floresce nas limitações e uma lição que muitos estúdios contemporâneos poderiam revisitar. Porque, no fundo, o ZX Spectrum era isso: um palco para a imaginação. Era a prova viva de que grandes ideias não precisam de grandes recursos.


Ainda hoje, quando ligo o The Spectrum e oiço o som familiar do ecrã a carregar, sinto um tipo de prazer que nenhuma tecnologia moderna consegue replicar. Já gastei dezenas de horas nesta reinterpretação moderna, tantas que a minha unidade atual começa a dar sinais de uso. E, por puro carinho, comprei outra apenas para a guardar como se fosse uma relíquia. Talvez pareça estranho, para quem cresceu com a fluidez das consolas atuais, que alguém ainda encontre encanto em jogos de 8 bits. Mas para mim, é como revisitar um lugar da infância onde o tempo nunca passou.

O ZX Spectrum foi, e continua a ser, mais do que uma máquina. Foi o alicerce de uma paixão que atravessou décadas, que me levou a escrever sobre videojogos, a partilhar opiniões, a explorar este meio com a curiosidade de quem nunca deixou de se maravilhar. Foi a minha primeira janela para o infinito.

Por isso, neste aniversário do GameForces, deixo o convite a todos: recordem o vosso primeiro jogo. Lembrem-se de onde veio essa faísca que vos fez apaixonar por esta arte. Porque, tal como o ZX Spectrum me ensinou, o que realmente importa não é a resolução, o número de polígonos ou o tamanho do mapa… é o sentimento que um simples pixel nos pode provocar. E esse, meus amigos, é intemporal!

Autor do Artigo: Carlos Silva


Artigo | ZX Spectrum - A Génese de um Jogador Artigo | ZX Spectrum - A Génese de um Jogador Reviewed by Carlos Silva on novembro 07, 2025 Rating: 5

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