A cabeçada que dei no comunicado
de imprensa de Worms Armageddon: Anniversary Edition que aterrou no email do GameForces
foi como tropeçar uma cápsula do tempo que não me lembrava de enterrar - uma cápsula
de um passado longínquo, de festas de aniversário em tons de sépia em que o
rapazote Tiago jogava e se encantava muito, muito pontualmente com a versão original de 1999 deste
jogo bélico com os seus primos.
Com uns 5 ou 6 anos na altura, eu
era o petiz mais petiz da congregação, mas a simplicidade da experiência é tal
que eu nunca era apartado das festividades. Em essência, Worms é um jogo de
combate por turnos em que os jogadores comandam equipas de (até) 8 minhocas à
vez num campo de batalha 2D, tentando derrotar a(s) equipa(s) adversária(s) com
recurso a todo o tipo de armamento – passando por bazucas, granadas e lança-chamas
e ainda opções mais burlescas como bananas, doninhas e velhotas e que
evidenciam confiantemente o tom cómico subjacente a cada confronto, numa gama
colossal de opções que confere uma variedade laudável a Worms.
Mesmo que sejam novatos no jogo,
facilmente assimilarão os controlos: ao controlo das minhocas, poderão mover-se
e saltar pelo cenário, selecionar a arma pretendida dentro de um menu em grelha
e acioná-la com o premir ou segurar de um botão. Numa primeira fase, Worms exige
tentativa e erro, enquanto percebemos como atuará cada míssil, bomba e carneiro
dentro do repertório de armas que temos ao nosso dispor – um percurso que,
longe de ser frustrante, só significa que antes das picardias mais incandescentes,
há fracassos ainda mais espetaculares. Eventualmente, o jogo tornar-se-á um antro
de estratégia em que terão de jogar com o vento, o terreno destrutível, as
vossas opções de posicionamento e, claro, o vosso extenso arsenal para mandarem
todas as minhocas adversárias para debaixo da terra, minimizando as
oportunidades de fazerem o mesmo convosco, sem que se perca o delicioso tom cómico subjacente ao contexto do jogo, às armas excêntricas, aos nossos menos frequentes mas nunca ausentes tiros no pé.
Por design, Worms Armageddon
está no seu melhor quando reunimos uma sala cheia de amigos (até seis equipas diferentes podem estar em jogo, todas trocando entre si o mesmo par de Joy-Con) e ora assistimos em
negação e exaspero enquanto um colega se aproxima impiedosamente do nosso
exército, ora seguramos o comando e um sorriso carregado de malícia enquanto nos
preparamos para descer o inferno sobre os compadres. Se estiverem em posição de
organizar estes serões de rocambolesca rivalidade, Worms Armageddon é das
melhores experiências multiplayer ao vosso alcance na esfera digital; de
outra forma, comprar este título é como adquirir uma pizza italiana e só trincar
a crosta à sua volta.
Jogar contra CPUs significa trocar a galhofa amena por um silêncio sufocante, tornando os turnos do computador num jogo de paciência, por mais curtos que sejam. Jogar online contra jogadores de todo o mundo poderia ter proporcionado um meio termo entre as duas abordagens; embora a opção de multiplayer online esteja efetivamente presente, não a conseguimos testar por não termos encontrado um único oponente ao longo de semanas.
De resto, o conteúdo para um
jogador de Worms Armageddon resume-se a um modo Deathmatch, um conjunto de segmentos de treino e mais de 30 missões, que funcionam essencialmente como batalhas com condições ou
objetivos especiais. São um meio razoavelmente desafiante de treinar e
testar as nossas habilidades de combate, mas nenhuma é particularmente
engenhosa em conceito ou execução e, após as terminarem, dificilmente
encontrarão razão para olhar para trás.
Tanto quanto pude apurar, todo
este portfólio de conteúdo já estava presente na versão original do título. Era e continua a
ser uma sopinha respeitável: já em 1999, Worms Armageddon contava não
só com um extenso arsenal de ataques, mas também com assoberbantes opções de
personalização que nos permitem definir a duração das partidas, os pontos de vida
das minhocas, as armadilhas no terreno, a seleção e quantidade de cada tipo de
arma ao dispor dos jogadores, e até nomear cada equipa e minhoca individual, entre
imensas outras opções – permitindo por um lado refrescar a experiência com todo
o tipo de regras especiais e inventar os nossos "modos personalizados", e por outro introduzir o nosso cunho hilariante nos
acontecimentos.
Existia porventura margem para melhoria, não só ao nível da oferta para os jogadores a solo, mas também de ajustes de qualidade de vida. Ao nível dos controlos, seriam benéficas opções de zoom de câmara e de tamanho de letra para melhorar a experiência na pequena Nintendo Switch Lite. Adicionalmente, esquemas de controlos com recurso ao ecrã de toque e ao “ponteiro por movimento” (como em Super Mario 3D World + Bowser’s Fury e Captain Toad Treasure Tracker) facilitariam a execução de ações de precisão (como o teletransporte ou o envio de mísseis para um ponto específico do mapa) e convencer-me-iam a explorar mais a criação de mapas personalizados. A interface é tão intuitiva quanto poderia ser seguindo à risca a sua disposição original, mas a Digital Eclipse poderia ter dado um passo extra e possibilitado o remapeamento de botões e introduzido uma alternativa opcional moderna que agilizasse a experiência com comandos e simplificasse o posicionamento de objetos como as escadas. E, do ponto de vista de preservação e do meu gosto pessoal, lamento que o jogo conte com textos mas não com vozes em português do Brasil, que estavam incluídas nos CD-ROM comerciais de Worms Armageddon. Por mais vezes que ouça as atuações vocais dos invertebrados em inglês, são as suas tiradas em português do Brasil que permanecem inexoravelmente gravadas na minha massa cinzenta desde a mais tenra idade.
O trabalho de conversão
para as plataformas atuais é extremamente competente e isento de atritos,
sendo holisticamente nostálgico e reconfortante para os seus fãs de longa data.
Porém, é evidente que o objetivo primário deste lançamento é disponibilizar e transladar
conservadoramente Worms Armageddon para as consolas modernas – prova disso é que
esta edição passou completamente ao lado do PC, onde a versão original se encontra
disponível para compra pelas lojas Steam e GOG.
A outra evidência deste propósito
encontra-se nas adições introduzidas pela Digital Eclipse e Team 17,
que são totalmente extrínsecas à experiência Worms Armageddon. No pacote, estão
incluídos vários títulos de Worms para consolas retro, nomeadamente a versão
Game Boy Color de Worms Armageddon, as versões Mega Drive e Super NES do
primeiro jogo Worms, e o título Worms World Party da Game Boy Advance. Dentro
destes clássicos, contamos com opções básicas de filtros, save state e rebobinagem, e ainda podemos folhear digitalizações dos seus manuais de
instrução. São um ótimo bónus e um ponto extremamente positivo no âmbito da preservação.
Dei por mim encantado pelo modo como Worms mantém o seu apelo e profundidade em
hardware mais compacto e singelo e ainda dei alegremente uns toques nas missões
singleplayer de Worms World Party, que é de longe a oferta mais substancial
desta quadrilha.
No mesmo âmbito, foi incluída uma
extensa linha cronológica da história de Worms, que abre uma janela fascinante da
criação e dos primórdios da série - não só através de uma série de factos textuais,
mas também de entrevistas com o pai do conceito e o staff da Team17, digitalizações
de comunicados de imprensa, anúncios e artes conceituais, e apresentações
internas dos desenvolvedores. É simplesmente fascinante percorrer este rico sortimento
de informações e material privilegiado e, no fundo, assistir ao nascimento e maturação
de uma ideia, e interiorizar (demasiado tarde para mim) a grande lição que o
criador Andy Davidson deixa nas entrelinhas: o sucesso não está em levar um percurso académico excelso, mas sim em ignorar olimpicamente os professores e ficar a bater teclas numa calculadora gráfica durante as aulas.
Conclusão
Worms Armageddon: Anniversary Edition é um remaster fiel de um ótimo jogo de festa estratégico, completo com quatro jogos retro extra e intrigantes registos da história da série que o vincam como um excelente esforço de preservação e celebração de Worms. É também uma prova da qualidade intemporal do material de base, igualmente divertido após mais de um quarto de século - porém, o conservadorismo na remasterização que prova a sua resistência ao tempo é o mesmo que nos deixa a lamentar a inexistência de novo conteúdo e de ajustes de qualidade de vida.
- A diversão exuberante de Worms Armageddon, convertida para as consolas sem novas frustrações ou inconveniências;
- Arsenal gigantesco de armas, indo desde opções tradicionais a alternativas hilariantes e inesperadas;
- Inclusão de quatro títulos retro bônus, com destaque especial para Worms World Party;
- Registos fascinantes da história de desenvolvimento da série;
- Sem novas funcionalidades/conteúdo que colmatem a reduzida longevidade em jogatinas a solo;
- ...ou melhorias de qualidade de vida dentro da experiência Worms Armageddon que otimizem a experiência nas consolas;
- Sem a dobragem para português do Brasil das edições em disco.
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela editora.
Autor da Análise: Tiago Sá

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