No passado, saltar para uma nova geração de consolas era motivo para entusiasmo. Mais potência significava não só maior fidelidade gráfica, mas também acrescido poder de processamento para criar mundos mais imersivos e complexos e mais funcionalidades do sistema operativo que complementassem a experiência de jogo ou que dessem valor ao sistema como algo mais do que uma máquina de jogos.
Nunca essa evolução foi tão minúscula como da PlayStation 4 (PS4) para a PlayStation 5 (PS5), ou da Xbox One para a Xbox Series. Ao nível do sistema operativo, a grande novidade de relevo é o Quick Resume no lado verde; de resto, as consolas viram outras opções a ser removidas (como o navegador de internet) ou pioradas (como o sistema de pastas). Por seu lado, os jogos mal aparentam ter evoluído face à geração anterior. É um tema debatível, mas pessoalmente o apogeu do fotorrealismo dos videojogos precede a PS5 e Xbox Series. Red Dead Redemption 2, God of War (2018), The Last of Us Parte II, são jogos visualmente deslumbrantes e expressivos, que ainda só foram superados pelas suas sequências ou remasterizações.
Ao nível de game design, escopo de mundos, e interação entre objetos ingame, é difícil argumentar que existe algum jogo na PS5 ou Series X que não seria concretizável na sua predecessora (talvez Cyberpunk 2077 2.0 e Alan Wake 2). Há certamente outros jogos que se distinguem no aproveitamento do hardware, mas é difícil considerá-los sem que se erga um "mas" difícil de calar. Ratchet & Clank: Rift Apart foi promovido como a grande demonstração do potencial da consola e do seu SSD; contudo, os saltos entre dimensões só podem ser feitos em locais específicos e pré-determinados, dando margem aos desenvolvedores para mascarar as preparações e loadings nestas mudanças de universo. Spider-Man 2 deslumbra com o seu fast-travel instantâneo, as transições suaves entre jogabilidade e cinemáticas, e a inexistência de pop-in ou quedas de framerate, mas melhorias representam polimentos (relembro, deslumbrantes) e não evoluções das ideias estabelecidas no predecessor. Do mesmo modo, Starfield e Astro Bot podem impressionar com a quantidade de objetos em exibição e movimento em simultâneo, mas este efeito não contribui notavelmente para a experiência nem se justifica para além de um brevíssimo fascínio passageiro.
Não é como se não existisse maior margem de manobra no novo hardware – simplesmente não é totalmente capitalizada nos novos títulos. Não por falta de ambição ou dedicação, mas porque deixou de ser viável espremer a tecnologia de ponta. Se houve algo que esta geração evidenciou, foi a magnitude incomportável dos custos, mão de obra humana e tempo necessários para fazer nascer um AAA. Um flop é o suficiente para levar um estúdio à ruína e, com o aumento exponencial das exigências de desenvolvimento para entregar incrementos progressivamente menores de complexidade e fidelidade, não espanta que uma boa porção das desenvolvedoras third-party ainda não tenha abandonado o barco dos padrões e do público da PS4 – o que por sua vez contribui para a sensação de um avanço tecnológico com diminishing returns. Consequentemente, o poder acrescido do hardware atual não é utilizado na produção de experiências genuinamente vanguardistas, mas sim aproveitado como um alívio das necessidades de otimização. São os jogadores que saem prejudicados, com os seus SSDs pelas costuras com 3 ou 4 jogos nédios e com as suas experiências a oferecer performances indignas dos processadores e GPUs que as renderizam.
Por tudo isto, espera-se que os jogadores paguem mais, e de bom grado. Ao longo da vida de uma consola, à medida que o hardware se tornava mais datado e menos custoso de produzir, era usual assistirmos a reduções de preço, promoções e bundles audazes, e revisões de modelos aliciantes. Pelo contrário, desde 2020, já assistimos a um aumento do preço da PS5 e da Xbox Series X, aumentos do custo mensal de PS Plus e Xbox Game Pass, um aumento do preço sugerido dos jogos AAA, e até um aumento do preço dos comandos DualSense, tornando o investimento na nova geração ainda menos convidativo a quem não o fez.
Em tempos, este era um mercado competitivo. Em que a apresentação da PS1 se resumiu às palavras “two ninety nine”, numa resposta assertiva e mordaz ao preço da SEGA Saturn. E em que a infame revelação da Xbox One, com restrições severas à partilha e revenda de jogos em disco, foi rapidamente ripostada com um humorístico tutorial da Sony em como emprestar jogos físicos com a simplicidade de sempre. Um despique completamente ausente atualmente; nenhuma das grandes empresas tem a intenção de apontar as práticas polémicas da outra, porque mal pode esperar por replicá-las.
Os estúdios internos ou parceiros da Sony despejam, por norma, um a três exclusivos originais por ano. Os restantes são reféns de contratos de exclusividade, como Stellar Blade (originalmente anunciado como Project Eve para PlayStation, Xbox e PC), Final Fantasy, e possivelmente Black Myth: Wukong, numa prática demonizada quando empregue pela Epic Games Store, mas normalizada no mercado de consolas. Ou então são felizes acidentes nascidos das 300 patas que a Microsoft afundou em poças, como a sua intransigência com a paridade de jogos entre a Series S e a Series X e a sua péssima comunicação com desenvolvedores; uma política que entregou à PlayStation 5 a exclusividade temporária de Baldur’s Gate 3 de mão beijada, e estava prestes a fazer o mesmo com Enotria: The Last Song se não fossem as expressões de descontentamento dos desenvolvedores e jogadores nas redes sociais.
Microsoft essa que aparenta estar no mercado de consolas contra a sua vontade. Com uma consola lançada por obrigação, um comando estagnado no tempo que não tenta sequer competir com o DualShock 4 de 2013, e um posicionamento de mercado críptico para o consumidor. O período presente para os donos de Xbox é mais mortiço do que nunca, com os seus raros exclusivos a falharem redondamente na conquista da atenção dos media e público – em parte pelas campanhas de marketing pífias, que permitem que jogos como Senua's Saga: Hellblade II sejam lançados sem alarido. Com a paridade de lançamentos entre consola e PC, um maior investimento na componente Cloud, e a disponibilização de alguns dos seus jogos nas plataformas rivais, a Microsoft firma as suas próprias consolas como a forma mais dispendiosa, isolada, limitada e efémera de entrar no ecossistema Xbox e fomenta um ambiente duvidoso para os consumidores construírem as suas dispendiosas bibliotecas digitais.
Na sua inação perante uma performance comercial desapontante e na sua aposta noutras vertentes do universo Xbox, a Microsoft assume uma postura mais congruente com uma prestadora de serviços isenta do que uma publisher de renome e com uma palavra a dizer na evolução dos videojogos – algo que não seria estranho da criadora de Windows e Office 365, não fossem as aquisições megalómanas de estúdios como a Bethesda Softworks e Activision Blizzard. Com o seu calendário silencioso e o seu açambarcar de estúdios sonantes, dá a sensação de estarmos num compasso de espera, de estarem em marcha os preparativos para algo – que, dadas a crise de identidade da marca e as constantes controvérsias, poderá muito bem ser as cerimónias fúnebres.
O próximo grande passo e marco na história de gaming está a ser traçado a solo pela Sony, com o anúncio da PlayStation 5 Pro (PS5 Pro). Um hardware que promete deslumbrar os jogadores mais acérrimos, com melhorias substanciais de performance nos jogos pré-existentes... por 799,99€, sem leitor de disco ou stand incluído. Se são os profissionais a quem os produtos topo de linha da Sony se destinam, poderão estar confusos com esta proposta: enquanto o DualSense Edge se afirmava o comando definitivo pela sua vasta gama de opções de controlo e de troca de botões, a PS5 Pro minimiza as suas potencialidades ao obrigar-vos a procurarem dois produtos separadamente para atingirem o mesmo patamar de funcionalidades da PlayStation 5 original.
Algo que não é necessariamente um problema, se também não forem das pessoas que precisam de fazer contas à vida mês a mês. Caso contrário, poderão ficar atordoados ao verem que, postos estes custos extra, terão investido 950 euros numa só consola – um preço perigosamente próximo do preço de duas PS5, e equivalente ao da compra de uma PS5 Slim com leitor, uma Nintendo Switch OLED e um jogo da vossa escolha. Tudo isso só para jogarem os mesmíssimos jogos da PS5 com píxeis com um bocadinho mais nítidos ao fundo do túnel, porque dificilmente alguma desenvolvedora quererá ignorar os mais de 60 milhões de jogadores da consola original para entregar uma experiência que explore as competências técnicas da PS5 Pro. Só parece um investimento remotamente decente se o compararmos com a Xbox Series X de 2TB, que custará 649,99€ sem incluir quaisquer novidades para além de uma nova pintura exterior e do armazenamento aumentado.
Se for para fazer comparações, é mais interessante olhar para o historial da PS. Na geração passada, tivemos exatamente a mesma proposta com a PS4 Pro: o dobro do armazenamento, e o dobro do poder da PS4 base. A diferença é que este upgrade tinha o mesmo preço da PS4 no lançamento, e custava apenas mais 100 euros do que a PS4 Slim (precisamente porque o modelo Slim recebeu um corte do preço nessa altura). Antes, por 400 euros, podiam adquirir a consola definitiva; seis anos depois, o mesmo valor mal vos deixa penetrar na geração atual. Seria cego se não reconhecesse que as necessidades de processamento aumentam de forma exponencial com cada incremento da resolução e taxa de fotogramas, e que tal explica em parte o aumento abrupto dos custos. No entanto, as consolas sempre primaram pela relação preço-qualidade imbatível; aliás, foi sempre este o grande trunfo das consolas face ao PC, mesmo que para isso as suas produtoras tenham-nas vendido recorrentemente abaixo do custo de produção (prevendo recuperar o investimento com as vendas de software e subscrições).
Assim sendo, pergunto: a quem é que a Sony quer vender uma consola que custa mais do que o salário mínimo nacional? Uma consola cujo "potencial" a Sony demonstrou mostrando clipes de jogabilidade de The Last of Us Parte II Remastered, Horizon Forbidden West e Gran Turismo 7, três jogos que rodam na PS4 sem percalços? Presumo que, sem concorrência, pretendam estabelecer a PS5 Pro como um produto de nicho para jogadores "profissionais" que protege a margem de lucro da Sony, cuja aquisição será intrinsecamente lucrativa para a companhia independentemente de angariar ou não um novo consumidor de software PS5. Ao mesmo tempo, poderá tornar a aquisição de uma PS5 Slim mais apelativa, ao colocar o preço de 550 euros (com leitor de discos) numa nova perspetiva e fazendo-o ser visto como a escolha “acessível” para entrar na atual geração.
Contudo, vendo o outro lado da comparação, se o preço se aproxima do de um PC gamer, porque não devem pensar num PC gamer? Para que é que se colocam completamente nas mãos dos TOS, das restrições do sistema operativo, e das políticas de preço em permanente atualização da Sony e Microsoft, quando o diferencial preço-performance que favoreceu as consolas estes anos todos está mais ténue do que nunca? Se, nos seis a oito anos que compõem as usuais gerações de videojogos, o valor que investirão na consola, nos jogos AAA com PVP acrescido (79,99€ em vez de 59,99€) e na subscrição que desbloqueia as suas funcionalidades online basilares (mínimo de 71,99€ anuais) equipara ou mesmo ultrapassa o preço de um computador de especificações equivalentes?
O consenso da comunidade é que a placa gráfica da PS5 é comparável a uma RTX 2070 e, pelas métricas de performance que a Sony facultou, a da PS5 Pro poderá ser parecida com a RTX 3070Ti ou RX 7700 XT (pese embora ser uma estimativa grosseira). Desktops com estas placas gráficas estão disponíveis em lojas como a PC Componentes e a PC Diga a partir de 1299,00€ e, se pagar esse valor à entrada pode parecer exorbitante, é certo que recuperarão uma boa parte dele em gastos evitados num prazo de anos.
Se é pelos exclusivos que estão presos às consolas, esse argumento assume menor peso do que nunca: a Microsoft há muito fez a transição para um modelo de lançamentos e compras emparelhadas entre consola e Windows, e a Sony tem vindo a lançar os seus jogos no PC um a dois anos após a sua chegada à PS5, tornando esta numa questão de paciência. Se a questão é de conveniência, instigo-vos a experimentarem o modo Big Picture da Steam, que é tal e qual uma interface de consola. Podem usá-lo com qualquer comando Bluetooth que pretenderem e através dele podem usar as maiores funcionalidades da loja: comprar e executar jogos, capturar e rever prints e clips de jogo, conversar com amigos, etc.. Se estiverem a utilizar um DualSense, até podem usufruir dos gatilhos adaptativos e feedback háptico nos jogos publicados pela PlayStation Studios! E, se assim desejarem, basta selecionarem uma caixinha nas definições da Steam para o computador iniciar sempre neste modo e o poderem usar 100% como uma consola (ignorando todas as lojas rivais, software de terceiros e restantes potencialidades e usos do computador).
Não quero que saiam deste artigo a pensar que só vejo lamúria nas consolas atuais, e que a única solução é pinchar como a Pipi Meias-Altas para o País das Maravilhas de PC Gaming. Para alguns jogadores, este poderá ser o caminho a seguir, se estiverem mais interessados nos jogos third-party do que nos da Sony Interactive Entertainment ou conseguirem esperar até a Sony os transportar para a Steam (tipicamente, uma espera de 1-2 anos). Longe vai o tempo em que o PC era uma realidade à parte, um bicho de sete cabeças apenas domável por quem tivesse o tempo e interesse para fazer todas as engrenagens funcionarem. Enquanto as dificuldades de PC Gaming se têm mitigado, o prato das vantagens na balança mantem-se tão pesado como sempre, com multiplayer online e saves na nuvem grátis, melhores promoções, controlo fino sobre as definições gráficas dos jogos, etc..
Apesar disso, reconheço que ainda existem motivos para quererem permanecer nos ecossistemas PlayStation e Xbox. Consumidores com menos tara por exclusivos do que eu poderão legitimamente dar-se por satisfeitos com o impacto do poder acrescido para os desenvolvedores e séries thirds que acompanham. Existe mérito na retrocompatibilidade exaustiva com os conteúdos PS4 e Xbox One, que torna as novas plataformas nas opções definitivas para experienciar os seus catálogos de excelência, tanto para quem construiu uma biblioteca robusta na década anterior como para quem saltou a última geração. E o DualSense é um comando genuinamente inovador que põe fim a uma linha de designs desconfortáveis e derivativa do velhinho DualShock original. Mesmo sendo compatível com PCs, é indubitavelmente aliciante usá-lo numa plataforma que orbita em torno dele, em que os jogos que fazem uso das suas funcionalidades únicas são a norma e não a exceção.
Porém, uma comum geração costumava ir bem além destes pontos atrativos, e com menos senãos. A vocês, presos por vontade ou à força ao vosso ecossistema, resta-me lançar um repto: reconsiderem os velhos hábitos. Reflitam se a costumária compra de jogos no lançamento ainda se justifica com o seu preço atual, e se não preferem esperar escassos meses para aproveitarem um preço reduzido. Ou se aquela subscrição do Xbox Game Pass ou PlayStation Plus que deixaram com renovação automática ainda é vantajosa para vocês, apesar dos aumentos de preço e/ou remoção de benefícios que os serviços sofreram recentemente. Não garanto nem sequer acredito que serão suficientes para reverter as políticas mais recentes das empresas, mas a vossa carteira agradecerá de qualquer forma.
Não é só nos passos para trás que vislumbro um futuro menos taciturno; consigo traçar uma estratégia para a Sony e Microsoft, na qual espero que a aclamação unânime de Astro Bot seja reveladora para as empresas. O futuro pode passar por precisamente por investir em jogos estilizados com menores orçamentos e tempos de desenvolvimento, capazes de injetar mais vida nos calendários de lançamento das consolas e de explorar as potencialidades dos sistemas sem acarretar custos incomportáveis - novos Hi-Fi Rush, novos It Takes Two. Não proponho que se descurem os jogos fotorrealistas (que bem prestigiam o catálogo da PlayStation), mas sim que lhes sejam dedicadas campanhas de marketing tácticas que os estabeleçam como grandes eventos do mundo gaming e não os reafirmem como o novo “normal”, como a fasquia para todos os AAA atuais. Devem-se também alocar os recursos para remasters e remakes, que têm sido destinados a jogos PS4 perfeitamente jogáveis na PS5 por retrocompatibilidade, a experiências mais datadas mas acarinhadas, como Infamous, Banjo-Kazooie e Jak and Daxter, permitindo uma diversificação dos catálogos modernos, uma reação mais positiva à cultura de remasterizações, e uma revigoração do interesse por estes universos dormentes.
Sei que não é a direção que todos querem, mas certamente é uma estratégia mais sustentável e um dos vários caminhos promissores que as gigantes tecnológicas podem trilhar. Fica longe de resolver todos os problemas da geração atual, mas pelo menos faz o mais importante: encher de pulsatilidade e apelo o catálogo das consolas, ao ponto de me fazer perdoar ou ao menos engolir alguns dos outros sapos. Porque a compra de uma nova consola não deve ser uma questão de orçamento, de contrapartidas, ou mera conveniência, mas sim de inovação, um mundo novo de possibilidades, e um fervoroso entusiasmo.
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