[Análise] Cyber Shadow [PS5]


A nostalgia é uma sensação curiosa, que nos pode levar a experienciar um aconchego de bons tempos passados, mas que pode igualmente fazer surtir a ideia de estagnação. É, portanto, um enorme risco quando aparece um jogo cuja primeira impressão é a de querer apelar à nostalgia. O que nos traz a Cyber Shadow, o primeiro jogo da Mechanical Head Studios, que nos pretende oferecer uma experiência de ação e plataformas de fazer lembrar os tempos de jogos 8-bits. Conseguirá este jogo atingir aquele equilíbrio entre a nostalgia e a inovação, ou será apenas uma sombra das memórias do passado?


Em Cyber Shadow, os jogadores assumem o papel de Shadow, um ninja de um antigo clã que acorda enfraquecido e num novo corpo de ciborgue. Ao ser informado que o seu clã se encontra à beira da extinção e de que a cidade de Mekacity está em ruínas devido à loucura de um cientista chamado Dr. Progen, Shadow parte em busca de salvar a líder do seu clã, e sua amada, e de desvendar o que está por detrás dos ataques do exército sintético do maléfico antagonista. Pelo caminho, encontramos uma narrativa que incide em temáticas de amor, inveja e desespero. Esta premissa, algo simples torna-se bastante aprofundada com a progressão na campanha e com o encontrar de registos de acontecimentos deste mundo, resultando numa história substancial e apelativa.
 
Com o esclarecimento do nosso objetivo e motivações de Shadow bastante bem definidas, partimos para este belíssimo mundo pixelizado, onde imediatamente nos recordamos de outras experiências marcantes do passado desta indústria, como as dos jogos Ninja Gaiden. Mas esta opção artística vai muito para além da evocação de sensações de nostalgia, com cada área deste mundo a ser espetacularmente desenhada no estilo pixelizado de 8-bits e a demonstrar uma atenção ao detalhe acima da média. Todo o design e a utilização meticulosa de cores faz com que este mundo se apresente coerente e confere à experiência uma atmosfera fundamental não só para o grande arco narrativo, mas também para as pequenas histórias de perseverança e de derradeira impotência com as quais nos vamos cruzando.
 
Sem dúvida que o aspeto do jogo é um dos pontos altos da experiência, mas de pouco importa uma excelente direção artística se a jogabilidade não for capaz de corresponder. Felizmente, também nesta vertente Cyber Shadow é uma experiência de excelência. No início começamos apenas com algumas capacidades básicas, como correr, saltar e atacar com a nossa espada. Mas à medida que vamos progredindo, vamos ganhando mais habilidades ninja, como lançar shurikens ou bolas de fogo, e novas opções de navegação, como deslizar em paredes ou duplo salto, tudo isto com animações exímias e coerentes com o estilo visual deste título. No final do jogo, sentimo-nos uma autêntica força destrutiva, e a aquisição gradual de novas habilidades e opções de combate ajudam a que tenhamos uma verdadeira sensação de progressão ao longo de toda a campanha.
 

Claro que com novas capacidades, vêm também novos desafios. Novos inimigos vão sendo colocados no nosso caminho, novas combinações de inimigos com capacidades diferenciadas vão sendo apresentadas e as sequências de plataformas vão ficando cada vez mais desafiantes, obrigando-nos sempre a estar atentos ao que nos rodeia e a ter de reagir a uma multitude de situações inesperadas. De tal forma que mesmo os inimigos mais básicos e introduzidos no início do jogo podem ser uma ameaça, consoante o ambiente em que são colocados e os outros opositores com os quais se juntam. Existem até momentos em que o jogo nos atira para sequências onde se mudam um pouco as regras e as mecânicas, contribuindo para mudanças de ritmo de jogo refrescantes – e não me atrevo a entrar em mais detalhe por não querer estragar momentos genuinamente apelativos da experiência.
 
Tudo isto resulta num título extremamente desafiante, onde um pequeno erro de timing ou de input pode resultar em danos significativos ou até numa morte, o que nos volta a remeter para a brutalidade de algumas experiências de jogos clássicos. No entanto, ao contrário do que acontece com esses clássicos, nunca senti ter sido injustamente derrotado. Há alguns momentos em que a dificuldade dispara inesperada e algo desajustadamente, sim, mas ficamos sempre com a impressão de o jogo nunca nos coloca perante situações para as quais não estamos preparados. Mesmo nestes momentos, que sem dúvida se podem tornar frustrantes, fica-se com a impressão de que algo nos escapa, e após algumas tentativas e de algum estudo da globalidade da situação somos capazes de entrar no ritmo de saltos e ataques necessário para alcançar uma vitória recompensadora.
 
E claro, como não podia deixar de ser, todas estas sensações de desafio e gratificação são exponencialmente mais elevadas em encontros com bosses. Cada boss apresenta-se como imponente, extremamente bem animado, e coloca-nos perante um desafio único e que nos obriga a rápidas análises, adaptações e concretização de ações precisas. Não que o resto do jogo não exija estas mesmas capacidades, mas cada encontro com um boss desafia-nos a levar tudo o que aprendemos ao limite ou até a experimentar novas combinações de ações e movimentos. Mesmo os momentos em que estes combates surgem está meticulosamente pensado, ajudando o geral de toda a experiência a nunca cair na monotonia ou numa repetibilidade prejudicial.
 

No decorrer da experiência, vamo-nos apercebendo de que existem várias áreas escondidas pelo caminho. Normalmente, estas contêm secções particularmente desafiantes de combate ou de plataformas, algumas das quais apresentam um nível de exigência que rivaliza com os que encontramos nos já referidos bosses. Assim que nos apercebemos disto, sentimos uma enorme vontade de utilizar um dos vários transportadores que encontramos para regressar a áreas anteriores e descobrir se a aquisição de uma nova habilidade ou capacidade nos permite desbloquear um novo segredo. Como recompensa por estas áreas particularmente desafiantes, podemos encontrar upgrades para as nossas barras de vida ou de habilidades especiais, pelo que vale bem a pena levar a cabo uma exploração minuciosa de cada área que percorremos.
 
Mas mesmo com uma exploração cuidadosa, o mais provável é que não se encontre tudo o que Cyber Shadow tem para oferecer na primeira vez que se percorre a campanha. Portanto, não será de espantar que muitos jogadores se sintam puxados de volta para o jogo assim que atingirem os créditos finais. Mas este não é o único motivo de rejogabilidade, com os troféus associados ao jogo a colocarem-nos desafios únicos. Derrotar um boss de uma maneira particular, atravessar uma secção sem deixar inimigos aterrar no chão ou realizar certas ações em sequências particularmente difíceis serão também grandes motivadores para adicionar mais tempo às cerca de 8 a 10 horas de duração do jogo. Estou convencido que mesmo quem não é um ávido colecionador de troféus, proezas ou conquistas se sentirá compelido a prevalecer sobre todos estes pequenos desafios que o jogo nos coloca.
 

Com tudo isto, se há algo que pode elevar toda a experiência de Cyber Shadow para níveis de excelência ainda mais elevados é a banda sonora. Também aqui o trabalho é de uma qualidade fenomenal, com cada trilha sonora composta por Enrique Martin a dar a cada área e a cada boss uma sensação muito própria.  Arrisco-me até a afirmar que é impossível passar por esta experiência sem ficar com uma música ou duas presas na cabeça, ou sem darmos por nós mesmos a cantarolar algo desta banda sonora a dada altura. Também os efeitos sonoros estão bem conseguidos, o que resulta num design sonoro geral coerente com o revivalismo da era dos jogos em 8-bits, e em mais um dos pontos de destaque do jogo.
 
Por último, o desempenho do jogo também se apresenta impecável, não tendo encontrado um único bug ou qualquer soluço técnico que reduzisse a framerate, que se apresenta consistentemente a 60 fotogramas por segundo. Em jogos tão exigentes como Cyber Shadow, é importante também ressalvar que todos os comandos são precisos, com o jogo a corresponder extremamente bem ao nosso input, o que ajuda a tornar o sucesso tão gratificante e a reduzir para valores mínimos a frustração do insucesso. O único aspeto aqui a lamentar é a ausência de implementação de qualquer das funcionalidades permitidas pelo DualSense, quando creio que a experiência poderia ter ganho algo, por exemplo, com a implementação de vibração localizada consoante sofrermos danos devido a ataques pela frente ou por trás de Shadow.
 
Tudo isto resulta numa experiência coesa, desafiante e gratificante como poucas outras no sector de produções independentes. Apesar de um ou dois aumentos um pouco desmedidos de dificuldade, não houve um único momento em que pensasse que algo estaria mal desenhado mecânica ou visualmente. O mais impressionante é que a grande maioria deste trabalho foi realizado por apenas uma pessoa: Aarne Hunziker. Sendo este o seu primeiro jogo desenvolvido e lançado, não será exagero colocá-lo ombro a ombro com outros grandes nomes desta indústria, como Jonathan Blow (Braid e The Witness), Thomas Happ (Axiom Verge) ou Toby Fox (Undertale). Se há algo mais que se pode dizer acerca da qualidade desta experiência, é que mal podemos esperar para ver o que Hunziker fará a seguir.
 

Conclusões
Cyber Shadow não é meramente uma aventura que suscite nostalgia, mas um triunfo do design de jogos modernos. É exigente, é desafiante, e apesar de alguns saltos de dificuldade exagerados a tempos, prende-nos pela gratificante jogabilidade simples de entender, mas difícil de dominar. É um deleite para os sentidos visual e auditivo do início ao fim, e um jogo que nos fará regressar várias vezes ao longo dos próximos tempos. Cyber Shadow é um jogo de qualidade inegável, e um dos primeiros títulos obrigatórios do ano.
 
O Melhor:
  • Belíssima arte pixelizada que é um esplendor de se contemplar
  • Jogabilidade precisa e progressivamente mais variada
  • Bastantes segredos para descobrir e bocados da história do mundo para desenterrar
  • Troféus desafiam-nos a jogar de maneiras diferentes e incentivam rejogabilidade
  • Dificuldade elevada e que exige domínio de todas as habilidades, mas…
 
O Pior:
  • … Há picos de dificuldade inesperados que podem levar a alguns momentos de frustração
  • Implementação de funcionalidades do DualSense é inexistente
 
Pontuação do GameForces – 9.5/10
 
Título: Cyber Shadow
Desenvolvedora: Mechanical Head Studios
Publicadora: Yacht Club Games
Ano: 2021
 
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
[Análise] Cyber Shadow [PS5] [Análise] Cyber Shadow [PS5] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on fevereiro 06, 2021 Rating: 5

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