[Análise] Dreams [PS4]



Foram precisos 7 anos de trabalho árduo por parte dos produtores na Media Molecule para que Dreams finalmente chegasse. Depois de trabalharem em Little Big Planet e em Tearaway, o estúdio propõe-se a fazer algo nunca antes visto: dar aos utilizadores todas as ferramentas para poderem criar e publicar qualquer jogo que assim desejem. Num título recheado de ambição, será esta a realização de um sonho, ou um pesadelo tornado realidade?


Dreams é um jogo difícil de analisar. Aliás, é até possível debater se se pode chamar a este título um videojogo. Dreams apresenta-se como uma plataforma de criação e partilha com potencial ilimitado, na qual os jogadores poderão criar um jogo inteiro, um nível jogável, uma animação ou um mostruário de criações e de arte digital. Assim, é pertinente olhar para Dreams como uma experiência dividida em duas: uma relacionada com jogar as criações levadas a cabo e partilhadas por outros utilizadores, e outra relacionada com a própria criação de um jogo ou um nível.

Mas antes de olharmos para estas duas vertentes deste título, convém ver como começa a experiência de Dreams. A primeira impressão com que se fica é que os produtores da Media Molecule se preocuparam profundamente com questões de acessibilidade. Este título utiliza motion controls como principal modo de utilização e de jogabilidade, oferecendo vários outros modos de utilização que se adaptam a potenciais limitações físicas de jogadores. Depois de se escolher o modo de jogabilidade, escolhe-se um Imp, que será a nossa principal ferramenta de interação com os vários elementos de Dreams, quer na vertente de criação quer na de jogo. Rapidamente se percebe que os motion controls estão extremamente bem implementados, com o nosso Imp a ser responsivo e calibrado, e sendo bastante fácil recentrá-lo caso o percamos de vista. Assim, mesmo antes de começar a jogar ou a criar, há que reconhecer o cuidadoso trabalho da equipa no que toca aos controlos e à acessibilidade.


Comecemos pela vertente de jogar ou usufruir das criações, à qual o jogo chama Dream Surfing. Ao iniciarmos a navegação, somos direcionados para uma criação da própria Media Molecule, intitulada Art’s Dream. Este é um jogo inteiramente criado utilizando as ferramentas disponibilizadas em Dreams que conta a história de Art, um músico que tem de lutar contra os seus demónios que o levaram a desistir da sua banda e a abandonar aqueles que amava. Esta é uma primeira experiência bastante interessante, não só pela temática da pressão e as dúvidas que assolam um artista, mas pela jogabilidade. Ao longo de 2 a 3 horas, vamos acompanhando a caminhada de Art para ultrapassar as suas dúvidas, assumir os seus erros e colocar-se num caminho de desenvolvimento pessoal, através de alegorias e metáforas que nos levam a controlar o próprio Art e diversas outras personagens imaginadas pelo mesmo. De um ponto de vista da jogabilidade, vamos saltando entre estilos de aventuras point and click, plataformas ou aventuras em 3D, shoot ‘em ups em 2D, entre outros. Esta é uma excelente introdução às potencialidades de Dreams, não só na criação de um nível que assente num determinado género, mas na possibilidade de criar uma experiência mais longa, na qual se possa incluir diversos tipos de jogabilidade, que assentem em diversos géneros já estabelecidos.

Ao olhar para as criações já construídas e partilhadas pela comunidade, encontramos já uma grande variedade de opções, com uma enorme vastidão de temas e estilos de jogabilidade. Podemos encontrar vários jogos inteiros, níveis de jogos, imagens ou animações criadas inteiramente com as ferramentas de criação de Dreams. E mesmo com pouco tempo de vida, podemos já encontrar criações fenomenais. Desde imagens hiper-realistas de um pequeno-almoço, a jogos criados com uma perícia a roçar a de um profissional de elevado nível, há um pouco de tudo e para todos os gostos. Desengane-se quem achar que apenas se encontram jogos desinspirados ou demasiado semelhantes, em Dreams, já se conseguem encontrar verdadeiras pérolas. É também relevante mencionar que não é necessário ter uma subscrição na PS Plus para se poder usufruir das criações partilhadas pela comunidade, tornando toda esta vertente do jogo acessível a todos.


Mas claro que nem tudo é um sonho. No meio de criações originais e que são um prazer de jogar, haverá sempre aquelas mais duras de roer. Desde criações que tentam recriar jogos se franchises bem conhecidos como Sonic ou Super Mario, até níveis incompletos mas lançados apenas para cumprir requisitos para troféus, há sempre o risco de algo com qualidade muito baixa se atravessar no nosso caminho. Mas os jogos bem construídos são um prazer de experimentar. Desde shooters, a jogos de puzzle, curtas aventuras, RPGs e plataformas, encontra-se de tudo um pouco. Em particular, existem imensas criações de plataformas, o que é de lamentar uma vez que é este o género de jogo que expõe as limitações do motor de jogo. Nestes casos, é mais notória a sensação de uma leveza exagerada nos movimentos das personagens, tornando a navegação e o salto algo imprevisíveis. E tal não acontece apenas nas criações, verificando-se o mesmo em Art’s Dream e nos tutoriais das ferramentas criativas.

Ao passar do Dream Surfing para a criação, somos imediatamente deparados com pequenas tarefas que envolvem a manipulação de alguns objetos e de decoração da nossa homespace. Assim, temos um primeiro contacto com as mecânicas de movimentação no espaço tridimensional e de interações básicas com objetos. Esta opção é algo estranha, uma vez que os primeiros tutoriais oficiais vão incidir exatamente nestas mecânicas. Para além desta repetibilidade algo desnecessária, é algo precoce começar por decorar a homespace, cujo resultado inicial será sempre insatisfatório. 

No entanto, é de destacar a qualidade elevadíssima dos tutoriais que ensinam a utilizar as ferramentas de criação. Estes tutoriais estão divididos por lições, que, por sua vez, estão divididos em pequenos objetivos. Cada lição coloca-nos numa posição em que teremos de manipular o ambiente e os seus elementos ou objetos de modo a ajudar uma personagem a chegar a um objetivo. Ao mesmo tempo, um pequeno vídeo vai demonstrado cada ação que se poderá realizar para solucionar os pequenos puzzles ambientais. Estes vídeos e as suas narrações são sempre extremamente claros, e cada objetivo a cumprir é relativamente curto e direto, pelo que cada lição acaba por ser simples e divertida.


O número de tutoriais é relativamente elevado, o que poderá ser detrator para alguns, mas o motivo para tal é muito simples: o número de ferramentas e de ações que temos ao nosso dispor é também elevadíssimo. Desde a construção e manipulação de objetos, o colorir e aplicar efeitos visuais a cenários, e a “programação” da lógica dos elementos, o leque de opções que temos perante nós é extraordinário. Extraordinário também, é o facto de os tutoriais conseguirem transmitir de modo tão eficaz tamanha variedade de ações à disponibilidade de qualquer criador. No fim de tudo, fica-se com a sensação de que é, de facto, possível criar qualquer coisa que se possa imagina. Sensação esta que apenas é reforçada quando começamos a trabalhar numa criação, ou quando pegamos numa criação partilhada pela comunidade e se começa a “brincar” com a mesma.

Por fim, resta apenas olhar para os aspetos sociais e para a comunidade presente em Dreams. Apesar do jogo ter sido lançado recentemente, pode reparar-se que a Media Molecule tem levado a cabo competições temáticas ao estilo “game jam”, algumas das quais funcionaram ainda em beta ou em acesso antecipado. Estas são iniciativas que manterão a comunidade ativa no jogo, e extremamente coerentes com os objetivos que este projeto apresenta. À medida que vamos navegando e experimentando as criações da comunidade, podemos ir dando gostos aos jogos que nos agradem - que facilitará o destacar de criações de maior qualidade -, e de seguir os criadores que mais nos agradarem, de modo a ser mais fácil ir acompanhando os seus trabalhos. Para além disto, é possível partilhar fotografias tiradas em cada criação, ou até pegar na criação de alguém, trabalhá-la e enviá-la ao jogador que a partilhou originalmente, havendo a possibilidade de, deste modo, estabelecer relações de trabalho e de criatividade com outros elementos da comunidade.



Conclusões
Dreams é um triunfo. Não só oferece já um vasto leque de opções no que toca a jogos, animações e criações, mas as ferramentas que disponibiliza para cada jogador poder dar vida a uma criação e à sua imaginação são simplesmente fenomenais. Construir algo especial vai requerer sempre muito trabalho por parte dos criadores, mas com a ajuda dos tutoriais exímios, a aprendizagem será não só mais fácil como divertida. Mesmo que não se queira, seja por que motivo for, entrar na vertente da criação, a vasta oferta de criações partilhadas pelos outros poderá fornecer horas intermináveis de diversão. Existem pequenas falhas, é certo, mas independentemente disso, Dreams é, de facto, um sonho tornado realidade.

O Melhor:
  • Art’s Dream por si só é um jogo excelente, e demonstra bem as potencialidades de Dreams
  • A diversidade de experiências já disponíveis em Dreams é fenomenal
  • As ferramentas de criação permitem, de facto, concretizar qualquer coisa que se imagine
  • Os tutoriais são claros e estão muito bem repartidos, em sessões curtas e bastante esclarecedoras

O Pior:
  • A jogabilidade parece demasiado “leve”, sobretudo em jogos que envolvam plataformas


Pontuação do GameForces – 9.5/10


Título: Dreams
Desenvolvedora: Media Molecule
Publicadora: Sony
Ano: 2020

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita

[Análise] Dreams [PS4] [Análise] Dreams [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on março 19, 2020 Rating: 5

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