[Análise] The Last of Us Remastered [PS4]



Há jogos que marcam gerações e que marcam pessoas. Quem for um ávido fã de videojogos conseguirá, certamente, apontar dois ou três títulos que tiveram um impacto pessoal, e para mim, The Last of Us é um desses jogos. Na iminência do lançamento da sequela, com o original a ser lançado em 2013 (e remasterizado em 2014), é com prazer, mas com uma pitada de ansiedade, que regresso a esta aventura. Prazer porque qualquer desculpa para voltar a viver a jornada de Joel e Ellie é sempre bem-vinda. Ansiedade porque ter de olhar para um jogo pessoalmente tão importante com um novo olhar crítico não é tarefa fácil. Desta feita, regressamos à remasterização de The Last of Us, e analisamos o quão impactante esta experiência ainda pode ser volvidos 6 anos.


Em The Last of Us, encontramos um mundo pós-apocalíptico devastado por uma pandemia. Esta foi causada por uma mutação fúngica que infetou a grande maioria da população mundial. 20 anos depois do início do surto, e de perder tudo, Joel vive numa das zonas de quarentena como um traficante. Quando um negócio corre mal, Joel cruza-se com a líder dos Fireflies, uma milícia rebelde que luta contra os órgãos governamentais estabelecidos enquanto procura encontrar uma cura para a infeção que ainda se arrasta. A Joel é incumbida a responsabilidade de traficar Ellie, uma adolescente que se revelou imune à infeção fúngica, para fora da cidade. Mas claro que este trabalho não corre como planeado, e assim inicia-se uma longa e árdua aventura que irá pôr ambos à prova.

À primeira vista, a premissa base de The Last of Us não se apresenta como a mais original. Afinal de contas, passamos as cerca de 15 horas num mundo pós-apocalíptico recheado de infetados transformados em monstros irracionais e hiperagressivos, algo a que dificilmente se pode chamar único nesta indústria. Mas esta superfície algo saturada dá aso a uma das narrativas mais profundas e provocadoras que se consegue encontrar. Joel e Ellie passam por situações absolutamente aterradoras e têm de tomar decisões e adotar comportamentos desumanos para sobreviver a longa viagem pela frente. A história, e sobretudo os desempenhos exímios de Troy Baker, Ashley Johnson e restantes atores, levam-nos a testemunhar a criação de um dos tipos de laço mais poderosos que existe – o de pai e filha (ainda que adotiva, neste caso). Com ambos os extremos do que é ser-se humano em exibição, é com naturalidade que The Last of Us nos leva a questionar o quão preparados estamos para abdicar da nossa humanidade para proteger uma pessoa amada.


A qualidade da narrativa e do argumento é, de facto, um dos pontos que tenho de enaltecer. Esta foi a mais recente de muitas vezes que atravessei a narrativa (por esta altura, estou mais perto da décima do que da primeira), e tudo aquilo que o jogo queria que sentisse, voltei a sentir como se da primeira vez se tratasse. Quando uma personagem querida estava prestes a encontrar a desgraça, não pude deixar de me entristecer. Quando Ellie corria perigo de vida, quer por um inimigo quer por estar prestes a afogar-se, deixei sempre a cautela de lado para correr na sua direção e salvá-la, independentemente do risco que tal representava para a vida de Joel. Esta representação de uma relação e um amor tão humano contrasta brilhantemente com este mundo condenado, com algumas das decisões que Joel toma (e que nós, jogadores, temos de aceitar, mesmo que contra a nossa vontade) a confrontar-nos com dilemas complexos que nos podem deixar a pensar sobre a nossa própria humanidade durante anos.

Mas a história principal não é o único aspeto impactante. Apesar de The Last of Us apresentar uma estrutura relativamente linear, dividido por níveis aos quais não se pode retroceder sem recorrer ao menu principal, a riqueza e atenção ao detalhe levados a cabo no design ambiental é extraordinário. Todos os ambientes contam uma história e os designs dos mesmos apresentam convincentemente um mundo no qual a humanidade lutou contra um inimigo impossível durante duas décadas. As cidades com prédios tombados, a vegetação e as inundações presentes em metrópoles abandonadas, e a vida animal a reclamar territórios mais amplos são detalhes enriquecedores. Mas mais do que tudo isso, as curtas histórias de luta, desespero e resignação humanas que se cruzam no nosso caminho de forma impressionantemente orgânica nos diversos ambientes que atravessamos (e corroboradas nas notas e outros colecionáveis) acrescentam uma profundidade inestimável a esta experiência.


Quando se trata de um videojogo, uma narrativa só consegue ser poderosa se acompanhada por uma jogabilidade que a eleve, o que é exatamente o que se passa em The Last of Us. O modo como tudo funciona vai perfeitamente ao encontro da premissa da história: os recursos são sempre escassos, o número de balas disponíveis extremamente limitado e muitos dos utensílios de sobrevivência são improvisados com o que conseguimos recolher no mundo. Também o combate é sempre apertado e exigente, com a furtividade a ser bastante incentivada e a utilização de armas de fogo, molotovs e outros engenhos a ser recomendada apenas em última instância. Isto é particularmente importante nos níveis de dificuldade mais elevados, onde as instâncias de combate resultam quase sempre em derrota, quer contra inimigos humanos quer contra infetados. Tudo isto contribui para genuínas sensações de tensão e de se estar imerso numa luta constante pela sobrevivência.

Tratando-se de uma remasterização, é com agrado que constato que as melhorias se apresentam notórias. A imagem é mais nítida, as texturas e os modelos são mais detalhados e o desempenho é superior ao original da PS3, com os 60 fps quase sempre atingidos. Também é agradável verificar que as cenas cinemáticas se apresentam algo melhoradas, sobretudo no que ao desempenho diz respeito. A vertente sonora parece permanecer intocada, mas com desempenhos tão potentes, com uma banda sonora tão simples mas impactante e com efeitos sonoros tão ricos (o som dos infetados “Clickers” continua a ser dos mais arrepiantes e indutores de tensão que já vivi), pouco ou nada havia realmente a melhorar.


Tudo aquilo que tenho vindo a dizer constitui um pacote absolutamente impecável e a roçar a perfeição. Mas, infelizmente, tal não é o caso, uma vez que esta versão remasterizada traz consigo alguns problemas que nunca encontrei na original. Para começar, a movimentação de Ellie em áreas repletas de hostis é pouco natural, com esta a atravessar-se na frente da linha de visão dos inimigos ou a colocar-se no caminho do nosso movimento. Depois, passei por instâncias na quais um ataque corpo a corpo não atingiu um inimigo quando deveria tê-lo feito ou  nas quais um disparo à queima roupa a atravessar o corpo do meu alvo. Estes erros são muito ocasionais e não são grandes detratores da experiência geral, mas podem causar problemas se ocorrerem com alguém que esteja a atravessar a campanha numa dificuldade elevada. Mais grave foi uma instância onde uma cena cinemática não se ativou, com a personagem jogável a ficar parada enquanto os desempenhos vocais se desenrolavam. Mais uma vez, não é algo que estrague o jogo, mas é extremamente lamentável que erros que penso serem previamente inexistentes se encontrarem no que deveria ser a melhor versão desta experiência.

The Last of Us Remastered contém ainda a expansão Left Behind e um modo multijogador cooperativo e competitivo de fações. Quanto a Left Behind, o DLC explora a história de Ellie antes da sua jornada com Joel, contando os eventos que a levaram a si e à sua melhor amiga Riley a ficarem infetadas. A narrativa aqui apresentada é curta mas rica, acrescentando muito a alguns momentos do jogo principal nos quais Ellie fala de si e contando uma história novamente emotiva. O desempenho de Yaani King complementa bastante bem mais uma performance brilhante de Ashley Johnson, e alguns elementos novos de jogabilidade são apresentados. Para além de alguns minijogos que encontramos pelo caminho, encontramos momentos nos quais hostis humanos e infetados partilham o mesmo espaço, sendo possível atiçá-los uns contra os outros com um objeto arremessado com precisão. No que toca à jogabilidade, estes são alguns dos momentos mais gratificantes, sendo de espantar que esta mecânica nunca tenha sido explorada no jogo base.


Quanto ao modo multijogador online, este vem oferecer uma experiência que complementa bem todo o jogo, utilizando com destreza a história principal como base. O objetivo é ir construindo o nosso grupo de sobreviventes, aumentando o seu número e mantendo-os vivos e saudáveis. Isto consegue-se jogando partidas que envolvem eliminar grupos inimigos e arrombar cofres através da captura e interrogação de elementos do grupo oposto. Ao entrar em cada partida, vamos recebendo porções de conteúdo narrativo que servem para dar mais algum relevo a esta componente do jogo bem como alguma justificação às nossas ações nas partidas. No final de cada partida, somos recompensados com recursos e com novas pessoas para povoar o nosso grupo, com o nosso desempenho e o da equipa a influenciar o quão se cresce.

Nas partidas online, a jogabilidade mantém-se essencialmente idêntica, com as mecânicas de disparo apertadas, a de furtividade a manter um papel estratégico importante e a de construção de objetos a partir de recursos encontrados a estar presente. Existem várias classes que podemos personificar, cada uma com as suas armas, habilidades e bónus específicos. O trabalho de equipa é fundamental, com a organização de um conjunto de jogadores a ser muitas vezes a diferença entre a vitória e a derrota. As partidas em si são bastante divertidas, apesar de apresentarem alguns problemas. O mais gritante foi no modo “Supply Raid”, onde verifiquei que o meu local de respawn era algo inconsistente e me colocava várias vezes do outro lado do mapa em relação aos meus companheiros.

Todas as partidas nas quais participei nesta altura correram extremamente bem do ponto de vista do desempenho. Nunca sofri de problemas de lag nem de quebra de fotogramas, com os meus comandos a terem tempos de input extremamente responsivos. Infelizmente, o tempo de espera para entrar numa partida é, nesta altura, bastante longo. O modo online de The Last of Us já não tem uma base de jogadores ativos numerosa, e os que encontramos estão em níveis ridiculamente elevados. Contudo, mesmo os mais iniciantes têm hipóteses de fazer a diferença numa partida, e de retirar alguns momentos bastante gratificantes.


Conclusões
The Last of Us continua a ser uma experiência fenomenal, mesmo passados 7 anos do seu lançamento original. A história continua a ser empolgante, e os momentos emocionais continuam cumprir o obejtivo de nos afetar como é suposto, com a música e os desempenhos dos atores a elevarem a qualidade para patamares superiores. Esta versão remasterizada melhora notavelmente a qualidade gráfica e o desempenho do jogo, apesar de introduzir alguns problemas que não estavam presentes na original. Apesar disto, a narrativa, o mundo e a jogabilidade continuam a ser de excelência, a expansão acrescenta elementos novos e o modo multijogador continua complexo mas divertido (apesar de haver poucos jogadores disponíveis). Em suma, The Last of Us Remastered recomenda-se a qualquer jogador que tenha uma PlayStation 4, sobretudo a quem ainda não se tenha deixado imergir na fenomenal história de Joel e Ellie.

O Melhor:
  • História emocionante com personagens e situações complexas
  • Jogabilidade acompanha premissa na perfeição, sobretudo em dificuldades mais elevadas
  • Mundo rico construído com uma atenção ao detalhe sem igual
  • Desempenhos dos atores são dos melhores que se encontra na indústria
  • Em termos visuais e de desempenho a remasterização está bem conseguida, mas…

O Pior:
  • … Esta versão jogo vem com bugs e problemas inexistentes no original

Pontuação do GameForces – 9.5/10


Título: The Last of Us Remastered
Desenvolvedora: Naughty Dog
Publicadora: Sony
Ano: 2014

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita

[Análise] The Last of Us Remastered [PS4] [Análise] The Last of Us Remastered [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on maio 21, 2020 Rating: 5

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