Sabem qual é o problema de estarmos numa sequência áurea de anos de jogos fenomenais? É termos de aguentar a culpa de gastar dinheiro em mais jogos quando o nosso extenso backlog nos faz olhinhos.
Quanto mais não seja para alimentarmos a ilusão de que daremos vazão à nossa biblioteca antes de irmos conviver com as minhocas, lá arranjamos um tempinho para tirar a poeira a alguns dos jogos esquecido. E não é por chegarmos atrasados à festa que perdemos a vontade de dissertar sobre as melhores pérolas que finalizamos!
Tiago Sá - Kirby's Adventure
Para um catraio que se apresenta como um fã patológico da Nintendo, tenho de confessar que existem imensas lacunas onerosas no meu currículo de jogador. Até este ano, Kirby’s Adventure era uma delas.
Ao degustar o segundo título da saga (na sua versão Nintendo 3DS), um pensamento rodopiava pela minha massa cinzenta: eu não acredito que este é um jogo de NES. Em grande parte, esta incredulidade derivou de aspetos técnicos, como os ambientes melindrosamente decorados em explosões de cores, e as arrojadas e numerosas Copy Abilities, que obliteram as nossas expectativas para um jogo fraterno de Super Mario Bros. e The Legend of Zelda em idade e restrições de hardware.
Porém, a surpresa adveio igualmente do quão visionárias e perenes são as filosofias de design em prática nos level designs, na dificuldade, e na inclusão de minijogos, saídas secretas, mapas de mundos. Quando experimento um jogo NES ou Nintendo 64, preciso de os experienciar através de lentes de indulgência para conseguir desfrutar da experiência; em contrapartida, poderiam servir-me Kirby's Adventure (3DS) como um indie moderno e eu engoli-lo-ia sem franzir o sobrolho e sem olhar no vazio com perplexidade. Envelheceu mesmo como o melhor dos vinhos.
Filipe Martins - Metaphor: ReFantazio
Confesso: fiz batota nesta categoria. Já tinha começado Metaphor: ReFantazio, mas acabei por deixá‑lo de lado quando, por questões editoriais, tive que pegar noutro título. Quando finalmente voltei a pegar no jogo, decidi começar do zero — queria saborear toda a sua magnitude sem pressas.
É um género de RPG que eu aprecio e já sabia que ia gostar: um sistema de combate por turnos, onde explorar fraquezas e gerir a equipa faz toda a diferença, e um mundo de fantasia que absorve horas sem pedir licença.
Organizar o meu tempo para ter espaço de apreciação real para todo o sistema e o mundo do jogo não foi fácil, mas valeu cada segundo. Metaphor: ReFantazio não é apenas mais um título no backlog - até porque já saiu desse buraco negro; é aquele jogo que nos lembra por que é que adoramos RPGs — por desafios que nos fazem pensar, evoluções que nos surpreendem e batalhas que transformam cada encontro numa pequena jornada estratégica.
Este prémio é para todos os jogos que nos obrigam a reencontrar tempo para eles — e ReFantazio, com a sua profundidade e charme, merece sem dúvida este destaque… mesmo com uma pequena “batota” pelo caminho.
Carlos Silva - Yakuza Kiwami 2
Confesso que este foi um ano marcado por limpeza de backlog. Inclusive, com minha decisão em passar a série Yakuza toda desde o inicio, posso afirmar sem margem de duvidas que nunca passei tanto tempo nesta atividade! Entre todos os jogos que visitei, Yakuza Kiwami 2 destaca-se com facilidade porque representa o auge daquilo que a série sempre tenta ser: intensa, humana, exagerada e profundamente envolvente. A forma como o jogo reconstrói o clássico da PS2, aproveitando o motor Dragon Engine para dar vida a Kamurocho e Sotenbori como nunca antes, faz com que cada passagem pelas suas ruas pareça uma descoberta constante. É um jogo que envelheceu bem não por acaso, mas porque a sua base já era forte, e esta versão modernizada eleva tudo aos padrões atuais sem perder o charme original.
A narrativa é provavelmente o elemento que mais contribui para o impacto do jogo. A história de Kiryu, presa entre a lealdade, o dever e um mundo do crime que não pára de mudar, ganha aqui um dos seus capítulos mais sólidos. A presença de Ryuji Goda como antagonista dá ao enredo uma força especial: é raro encontrar um rival tão marcante, tão seguro do seu papel, que coloque Kiryu sob pressão emocional e moral de forma tão direta. A tensão entre estes dois personagens dá ao jogo uma energia que poucos títulos conseguem replicar, especialmente dentro de um backlog onde muitos jogos brilham por outras razões, mas não tanto pela relação entre protagonista e antagonista.
Além disso, Kiwami 2 é um daqueles jogos que recompensa o tempo investido com uma variedade impressionante de atividades paralelas. Entre o cabaré, os minijogos, as histórias secundárias e até a simples exploração das cidades, há sempre algo a descobrir, e quase tudo vem com o típico humor e coração que fazem da série um caso à parte. Mesmo anos depois do lançamento original, este equilíbrio entre drama pesado e momentos absurdos continua a funcionar de forma quase perfeita. E quando um jogo antigo consegue ainda surpreender, divertir e emocionar com esta consistência, torna-se natural destacá-lo acima de tantos outros do backlog.
Por isso, considerar Yakuza Kiwami 2 como o melhor jogo do backlog que joguei este ano não é apenas uma preferência subjetiva; é uma conclusão lógica. É um título que combina narrativa forte, personagens memoráveis, um mundo vibrante e uma quantidade generosa de conteúdo, tudo entrelaçado numa experiência que permanece relevante e marcante. É o tipo de jogo que lembra porque vale a pena revisitar clássicos… às vezes, porque são mesmo melhores do que muitos lançamentos atuais!
Carlos Cabrita - Kingdom Come Deliverance
Kingdom Come: Deliverance entrou na minha vida como uma verdadeira experiência, sem expectativas nem ideias pré-concebidas. Não sabia exatamente ao que ia, nem o que esperar. A única referência que tinha era o feedback extremamente positivo em torno do segundo título e o facto de o meu irmão, um enorme fã de Skyrimm sempre ter demonstrado grande interesse neste jogo aquando do seu lançamento.
Um dia decidi arriscar e comprá-lo. A partir daí, a surpresa foi constante, desde o primeiro momento até agora, e digo agora porque ainda não terminei a aventura. O mundo do jogo é vasto, detalhado e vivo, oferecendo uma liberdade rara e uma sensação de imersão que poucos RPGs conseguem igualar.
O grande trunfo de Kingdom Come: Deliverance está precisamente na sua profundidade. O enredo é extenso, as missões multiplicam-se de forma quase infinita e o mundo reage às nossas escolhas, convidando-nos a explorar, aprender e perder horas sem dar conta do tempo a passar. Não é um jogo que se joga à pressa, é um jogo que se vive.
Mesmo anos após o seu lançamento, continua a ser uma experiência incrivelmente relevante, ambiciosa e recompensadora. É daqueles títulos que ficam à espera no backlog, mas que, quando finalmente lhes damos atenção, nos lembram porque vale a pena voltar atrás e descobrir grandes jogos fora do hype do momento. Por isso, Kingdom Come: Deliverance é a minha escolha para Melhor Backlog do Ano.
Reviewed by Tiago Sá
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dezembro 24, 2025
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