Uncharted: Legacy of Thieves Collection [PS5] – Pé Ante Pé Em Direção ao Futuro


Pode não parecer, e muitos de nós recusamo-nos a reconhecer isto, mas a série Uncharted faz 15 anos este ano. Já lá vão quase 15 anos desde que fomos introduzidos ao carismático (e meio sociopata) Nathan Drake e partimos na primeira aventura repleta de ação em busca de tesouros ocultos em cidades perdidas. Neste tempo todo, fomos acompanhando o seu crescimento e assistimos à sua última e mais madura aventura em Uncharted 4, bem como à sua passagem de testemunho à irreverente Chloe Frazer em The Lost Legacy. E são precisamente estes dois jogos que compõem esta nova coleção, que se propõe a remasterizar duas experiências de excelência para a consola de nova geração da Sony. Será Uncharted: Legacy of Thieves Collection uma parte memorável do legado desta tão aclamada série, ou será apenas um roubo do nosso precioso tempo?
 

Em Uncharted 4: A Thief’s End (ou O Fim de Um Ladrão, em português), regressamos à pele de Nathan Drake, que agora vive uma vida mais pacata e mundana juntamente com a sua esposa Elena Fisher. Mas tudo isto é virado do avesso quando Sam Drake, o irmão mais velho que Nathan há muito achava estar morto, lhe aparece à porta. Perante o seu relato de que deve a vida e a liberdade a um perigoso líder de cartel que agora lhe quer cobrar uma fatura pesadíssima, Nathan junta-se ao irmão e a Sully em busca do tesouro perdido do pirata Henry Avery. Ao longo da demanda, exploramos as origens dos irmãos Drake (incluindo as origens deste apelido) à medida que vemos o desenvolvimento do conflito interno do protagonista no que toca às promessas de uma vida dentro da legalidade e a atração obsessiva pela aventura e riqueza.
 
Já em Uncharted: The Lost Legacy (ou O Legado Perdido, novamente em português), deixamos o habitual protagonista em paz para assumir o papel de Chloe Frazer, outra caçadora de tesouros e aliada de longa data de Drake. Desta feita, teremos de nos juntar a uma das antagonistas do quarto jogo, Nadine Ross, em busca do lendário tesouro hindu conhecido como a presa de Ganesh. Pelo caminho, ambas irão cruzar-se com o perigoso guerrilheiro Asav, que iniciou uma guerra civil na Índia e que procura a presa para usar como símbolo de um favor divino para governar o país. Mas esta é uma aventura que vai para lá da busca pela riqueza, com Chloe e Nadine a confrontarem-se com os seus legados familiares e a terem de ultrapassar as suas diferenças para encarar os seus futuros.
 

Quem é fã de longa data da série Uncharted, certamente não ficará surpreendido por nos ver descrever ambos os jogos desta coleção como explosivos, emocionantes e repletos de sequências de ação memoráveis. Mas estes jogos vão mais além do que os da trilogia original ofereciam, sobretudo na qualidade das suas narrativas. São duas histórias incrivelmente mais pessoais para todas as personagens envolvidas, recaindo ambas sobre o confronto do passado para a construção de um melhor futuro. No caso de Nathan Drake, isto é conseguido ao ver o seu eu passado em Sam e o quão destrutiva a obsessão pela aventura pode ser para aqueles que o rodeiam. E no caso de Chloe e Nadine isto é conseguido quando ambas percebem ter muito em comum apesar de passados tão distintos, gerando uma história cativante acerca da superação de preconceitos e da criação de laços improváveis. São duas histórias meticulosamente criadas, e com argumentos muitíssimo bem escritos que, por eles mesmos, já valem as horas de investimento nestas aventuras.
 
E claro, entre os momentos de história com elevado teor emocional, temos sequências de ação e de combate que, a espaços, conseguem fazer os filmes de Michael Bay parecer brincadeiras de crianças. As sequências de ação programadas são sempre entusiasmantes, havendo sempre uma grande sensação de urgência quando Nathan ou Chloe se encontram num edifício ou num penhasco que se desfaz à medida que o atravessam, ou quando se encontram a ser perseguidos por inimigos implacáveis armados até aos dentes. Mesmo já tendo jogado cada um destes títulos mais uma vez, reviver alguns destes momentos voltou a fazer-nos ocasionalmente exclamar um impropério ou outro, sobretudo quando jogámos nas dificuldades mais elevadas. Se a Naughty Dog não é a melhor produtora destes momentos de ação exagerados, certamente não andará muito longe, e é nestes dois jogos que encontramos as melhores sequências deste tipo que os jogos Uncharted ofereceram até à data.
 

Mas claro que a ação não se resume a estes momentos programados desenfreados, mas por encontros com grupos de inimigos, sejam eles do exército privado e mercenário Shoreline ou do exército insurgente de Asav. Podemos levar Drake e Chloe a empunhar uma grande quantidade e variedade de pistolas, armas automáticas, explosivos, entre outros para enfrentar hordas de inimigos igualmente armados até mais não. Estes confrontos acontecem sempre em arenas amplas, nas quais temos que nos ir movimentado de modo a abrigarmo-nos atrás de paredes, colunas e outras decorações que nos ofereçam proteção do fogo adversário. Estes jogos apresentavam as mecânicas de shooting na terceira pessoa mais gratificantes da série até à data, e que nesta coleção conseguem ser enaltecidas graças à implementação das funcionalidades de feedback háptico do DualSense. Através destas, por exemplo, sentimos cada bala que disparamos ou que nos atinge, ampliando ligeiramente a imersão na ação e a termos mais noção das direções nas quais se encontram adversários.
 
Contudo, nem sempre um confronto tem de resultar numa chuva de balas. Ambos estes Uncharted oferecem (quase) sempre a opção de enfrentar os vários inimigos através da furtividade. Com um design meticuloso e muito bem executado destas arenas, podemos ir saltando de abrigo em abrigo, ou entre largos tufos de relva alta para ir despachando inimigos sem fazer um pio. Em alguns destes encontros, até é possível evitar totalmente qualquer confronto, havendo a hipótese de nos movimentarmos sorrateiramente da entrada da área até à sua saída, avançando na história sem ampliar em nós a tão infame dissonância ludo narrativa.
 
E claro, o que seria de Uncharted sem as sequências de exploração entre estes cenários de ação? Sim, o caminho de Nathan e Chloe até aos seus ambicionados tesouros leva-os a escalar montanhas, trepar diversos edifícios, saltar de plataforma em plataforma, e apresentar um respeitável cosplay de Tarzan ao atirar ganchos e baloiçarem-se nas cordas lá atadas. São momentos geralmente divertidos, onde a análise ambiental atenta é essencial, e a aventura por caminhos menos óbvios é recompensada com vários tipos de colecionáveis. Mas é também aqui que, estranhamente, encontramos o calcanhar de Aquiles destes jogos. Saltar de uma plataforma para outra requer, por vezes, uma precisão ao pixel, alguns saltos apresentam-se bastante inconsistentes, e deixarmo-nos cair para um parapeito clicando em "O" é pouco fidedigno, com Drake a não se agarrar como seria suposto. Para não falar nos bugs de animações repentinas, de ficarmos presos em parede invisíveis num salto ou outro, e de algumas paredes nos projetarem repentinamente numa qualquer direção como se fossem um trampolim quando chocamos com as mesmas agarrados a uma corda. Isto é particularmente acentuado em Uncharted 4, estranhando não só a inconsistência destes problemas entre ambos os jogos, mas também o facto de, tanto quanto nos lembramos, estes serem problemas novos à versão remasterizada do jogo.
 

Não será surpresa nenhuma afirmar que os jogos Uncharted são bastante lineares, sobretudo se atendermos ao cardápio de produções da Naughty Dog durante as últimas gerações. Mas A Thief’s End e The Lost Legacy marcam a primeira vez que a produtora experimentou com áreas mais abertas e repletas de pontos de interesse nos momentos de exploração. Estes jogos apresentam entre eles um total de três áreas de jogo enormes cheios de ruínas para explorar, nas quais encontramos vários colecionáveis e pequenos pedaços de narrativa que complementam as histórias dos tesouros que caçamos. Tudo isto é secundário, e fica ao critério do jogador se quer interagir com estas pequenas áreas e com os seus puzzles, mas não podemos deixar de destacar o quão bem desenhadas estas curtas distrações estão, e o quão interessantes estes desvios podem ser.
 
Uma palavra também para os puzzles destes dois jogos, que também se apresentam como os mais interessantes que a série já conseguiu. A maioria quebra o usual ritmo frenético, mas oferece desafios interessantes que nos obrigam a prestar bastante atenção aos ambientes que nos rodeiam e que puxam por várias vertentes do nosso raciocínio (lógico, espacial, entre outros). O mais interessante desta dupla de jogos face à trilogia original é que vários destes puzzles acarretam ainda uma boa dose de tensão, para lá da mera fórmula de “trepa aqui para chegar a um botão, trepa ali para ativar uma alavanca” que era tão habitual nos títulos antecessores. Isto porque Drake, Chloe ou um dos vários elementos do elenco que os acompanha corre ativamente perigo durante a resolução ou na conclusão da maioria destes puzzles, uma opção de design narrativo que nos deixa sempre em estado de alerta e a respirar de alívio quando tudo corre bem.
 
Tratando-se Uncharted: Legacy of Thieves Collection de um conjunto de remasterizações, muitos estarão a perguntar-se o quão acentuados realmente serão os avanços gráficos e técnicos. Acreditem, são bastante notáveis. Estes jogos já eram belos na PS4, e na PS5 dão vários passos em frente, na direção do fotorrealismo. Os cenários estão muitíssimo mais detalhados e nítidos, falhando apenas num capítulo de Uncharted 4 passado sob chuva forte, onde a queda das gotas nas superfícies se apresenta algo inconsistente e o loop da animação é visível. O sistema de luminosidade também se apresenta muitíssimo melhor e mais realista, com os raios de luz a furar pela folhagem das árvores a darem aos cenários de selva e florestais um aspeto belíssimo, motivando-nos mais que nunca a brincar com o modo de fotografia. Apenas temos a lamentar os dois momentos onde este sistema faz com que a exploração de grutas tenha que ser feita sob uma escuridão excessiva também em Uncharted 4. Estamos a ser um pouco picuinhas nestes detalhes, admitimos isso. Estas são queixas menores, e não podemos ressalvar o suficiente o quão impressionados estamos com as melhorias aqui implementadas, sobretudo tendo em conta que os tempos de carregamento quase não permitem um rápido desviar de olhar e que reviver estas aventuras a 60 fotogramas por segundo sem um único soluço foi um mimo.
 

No que toca a tudo o que seja som e música, esta versão de A Thief’s End e The Lost Legacy não acrescentam nem mudam grande coisa. As funcionalidades do Áudio 3D estão bem implementadas e voltam a potencial um pouco a sensação de imersão nas aventuras, mas não são essenciais. A banda sonora orquestral continua a ser de elevadíssima qualidade, mas a cereja no topo do bolo é o elenco de atores de voz. Nolan North, Claudia Black, Troy Baker, Emily Rose, Laura Bailey, Richard McGonagle, Warren Kole e Usman Ally. Um autêntico elenco de luxo, onde todos dão muita vida e muita personalidade a todas estas personagens fantásticas, sejam protagonistas ou vilões. Sem os seus talentos estes jogos não teriam o mesmo apelo.
 
Antes de terminarmos temos de ir ao encontro de mais dois aspetos desta coleção que, a nosso ver, deixam algo a desejar. Primeiro, o modo de dificuldade mais elevado destes títulos, que aqui adequadamente se chama Crushing (ou Esmagador). Somos fãs de desafios, mas temos de reconhecer o quão injusto este nível de dificuldade é, onde a grande maioria dos encontros (sobretudo os mais tardios) dependem muitíssimo mais das movimentações aleatórias dos inimigos do que propriamente da nossa capacidade de mirar as suas cabeças com uma única bala - e, modéstia à parte, não somos nada maus nisto! Em 2016 e 2017 já tínhamos ficado com a impressão de que este nível de dificuldade não havia sido propriamente testado e equilibrado, e agora apenas podemos lamentar que nenhum ajuste tenha sido feito. Este nível de é só frustrante, estupidamente castigador, e indutor de mau humor, sendo apenas recomendado aos mais acérrimos e resistentes fãs destes jogos ou aos acumuladores de platinas.
 
E por falar em platinas, temos de terminar com um desabafo no que toca aos troféus desta coleção. Ao contrário do que vemos na maioria das coleções deste género, como a de Mass Effect, a de Crash Bandicoot ou até a da trilogia Uncharted original, em Uncharted: Legacy of Thieves Collection cada jogo não tem uma lista de troféus dedicada. Uncharted 4 apresenta-se como o jogo principal, com The Lost Legacy a servir como DLC do mesmo. Isto significa apenas uma platina pela coleção, mas para a qual é necessário colecionar todos os troféus da “expansão” – ou seja, completar a 100% dois jogos para uma só platina. Uma vez que temos alguns colecionadores de troféus no nosso grupo (sim, incluindo este vosso redator), não podemos deixar de apontar esta decisão como algo penalizadora para quem adora estes jogos e quer ir para além dos créditos finais para (re)fazer tudo. Ainda para mais quando o desbloqueio automático dos troféus com base nos dados guardados da PS4 se apresentou algo defeituoso. Se o voltámos a fazer? Podem crer que sim, tanto que apenas nos faltam os troféus de speedrun e de percentagem de precisão de disparo de Uncharted 4 para o clímax da platina. Mas que sentimos que esta opção foi um desrespeito pela nossa dedicação aos jogos, podem crer que sentimos.
 

Conclusões
Uncharted: Legacy of Thieves Collection é uma excelente coleção com dois dos melhores jogos de ação exclusivos da PlayStation, e que certamente entusiasmará jogadores de vários gostos e feitios. Os avanços gráficos e técnicos são surpreendentemente acentuados, pese embora o aparecimento de novos problemas chatos. Ficamos com a clara sensação de que este é um ensaio para o que a Naughty Dog tem planeado para o futuro, passando o teste com distinção. Quer já tenham jogado estes dois grandes títulos, quer não, se há uma coleção de jogos fácil de recomendar para qualquer proprietário de uma PlayStation 5, é esta.

O Melhor:
  • Dois jogos emocionantes e entusiasmantes de elevadíssima qualidade
  • As melhores narrativas, mecânicas e puzzles da série até agora
  • Melhor fidelidade gráfica e melhorias de desempenho são notáveis
O Pior:
  • Não resolve os (poucos) problemas presentes nos originais
  • Uncharted 4 com sequências de plataformas com várias inconsistências e bugs frustrantes
  • Nova estrutura de troféus penaliza os jogadores mais dedicados
 
Pontuação do GameForces – 8.5/10

Título: Uncharted: Legacy of Thieves Collection
Desenvolvedora: Naughty Dog
Publicadora: PlayStation Studios
Ano: 2022

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Uncharted: Legacy of Thieves Collection [PS5] – Pé Ante Pé Em Direção ao Futuro Uncharted: Legacy of Thieves Collection [PS5] – Pé Ante Pé Em Direção ao Futuro Reviewed by Filipe Castro Mesquita on fevereiro 17, 2022 Rating: 5

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