[Análise] The Pedestrian [PS4]


Nunca é demais dizer que o mercado de jogos produzidos independentemente é onde se consegue encontrar algumas das ideias mais criativas e inovadoras desta indústria. E apesar de não ser o género mais popular, os jogos que se focam em puzzles e na resolução de problemas são potenciadores da criatividade, o que leva a que jogos como The Pedestrian sejam sempre captados pelo nosso radar. Depois de uma campanha bem-sucedida no Kickstarter e de uma boa passagem pela Steam, este curioso jogo chega agora à PlayStation. Conseguirá The Pedestrian abrir caminho para uma experiência agradável, ou estaremos perante um sinal de stop?
 
(De notar que esta análise corresponde à versão PS4 do jogo, experienciada numa PS5 através da retrocompatibilidade. Versões nativas PS5 e experiências de jogo na PS4 ou PS4 Pro poderão diferir, sobretudo no que toca a aspetos técnicos.)


Em The Pedestrian, assumimos o papel de um boneco (ou boneca) semelhante aos que se pode encontrar em sinais de trânsito e outras placas sinalizadoras. É precisamente em placas ou sinais desta natureza que a grande maioria da jogabilidade decorre, sendo o nosso objetivo levar o boneco a atravessar portas ou subir/descer escadotes até alcançar a saída de cada zona. Para o fazer, teremos de reorganizar a colocação das placas de sinalização para ir ligando essas portas e escadotes, organizando um caminho a seguir para avançar para a área seguinte. Os puzzles são automaticamente reiniciados quando tentamos um conjunto de ligações, percebemos que não encontrámos a solução, e alteramos qualquer uma das ligações já utilizadas. Assim, uma grande parte dos quebra-cabeças do jogo consiste nessa organização dos espaços e das ligações entre si, havendo muitas instâncias de tentativa e erro.
 
No entanto, o conteúdo destas placas também nos coloca alguns desafios. Entre arrastar caixas para poder alcançar uma plataforma mais elevada, recolher chaves para abrir fechaduras, ativar alavancas para afetar outros elementos presentes no espaço jogável, vai sendo adicionada alguma variedade aos puzzles que vamos enfrentando. Ao progredir, novos elementos vão sendo implementados, e que vão envolvendo elementos do ambiente exterior às placas de sinalização, como, a título de exemplo, ligações de fusíveis que ativam pistons, ou o congelar de uma placa mesmo quando se tenta reorganizar as ligações da mesma a meio da resolução do puzzle.
 
Como já podem ter reparado, quando me refiro à jogabilidade nas placas tenho usado a palavra “maioria” por um motivo – o ambiente que rodeia estas placas tem, muitas vezes, um papel a desempenhar. Há várias instâncias onde conseguimos levar o nosso boneco a ativar uma alavanca que altera o mundo tridimensional fora das placas, desbloqueando novos cenários para explorar, ou até fazer com que se ativem elevadores e comboios que nos transportam para toda uma nova área repleta de novos níveis. Esta misto gera uma jogabilidade 2.5D cativante e, atrevo-me a dizer, única. O melhor, é que isto culmina numa reviravolta que, perto do fim, nos leva a um dos puzzles mecanicamente mais distintos de que tenho memória. Não detalharei aqui a natureza desse twist, visto que foi o momento mais elevado de toda a experiência. Limito-me a dizer que me espantou pela criatividade e pela excelente implementação, e não quero privar os leitores das sensações que virão de um momento genuinamente fantástico como este.
 

As várias implementações de novas mecânicas, bem como as implicações da reviravolta final, ajudam a manter a jogabilidade fresca até ao final da experiência, surgindo a um bom ritmo que potencia o prazer da mesma. De facto, The Pedestrian alcança a proeza de ser um jogo de puzzles à base de tentativa e erro sem se tornar minimamente frustrante, com a generalidade da experiência a ser bastante prazerosa. Ao chegar a um novo cenário, analisava todo o cenário colocado perante mim e ia experimentando várias combinações até encontrar a solução, no que foi sempre um processo tranquilo e agradável, e que resultou em alguns momentos de “eureka” genuínos.
 
No entanto, fiquei com a impressão de nunca ter encontrado um desafio que me testasse verdadeiramente. À medida que ia progredindo no jogo, deparava-me com cenários visualmente mais complexos, com uma multitude de placas sinalizadoras, e respetivas ligações, para organizar e várias mecânicas a ter de levar em consideração em simultâneo. Ou seja, a opção não foi aumentar a complexidade dos puzzles, mas o número de elementos e mecânicas a gerir de cada vez, o que senti ser uma forma algo artificial de gerir a questão da dificuldade. Esta sensação foi reforçada ao deparar-me com níveis de dificuldade algo inconsistentes ao longo da campanha, com as tais instâncias de “eureka” a serem seguidos de puzzles significativamente mais acessíveis e de resolução mais rápida.
 
Uma das questões relevantes para jogos de puzzles prende-se com a sua duração. No caso de The Pedestrian, dependendo sempre do desafio que cada um encontrar nos vários puzzles que este título oferece, a experiência dura cerca de 3 a 4 horas – como se pode depreender pelo parágrafo anterior, o meu tempo aproximou-se mais do limite inferior. Por um lado, uma experiência curta e contida pode ser algo de positivo numa indústria saturada de jogos pensados como serviços ou de RPGs massivos, sobretudo quando esta é tão agradável como a de The Pedestrian.
 

Por outro lado, fica a impressão de algum potencial por explorar no que toca a algumas mecânicas. Foi inevitável chegar ao fim com a sensação de que as possibilidades que algumas das mecânicas criativas aqui presentes não foram totalmente exploradas, e que as possibilidades que estas oferecem não foram esgotadas. Uma das instâncias em que esta sensação foi mais proeminente prende-se com a já referida reviravolta perto do fim. Foi com pena que cheguei aos créditos a desejar ter tido a possibilidade de passar mais tempo com as mecânicas desbloqueadas pelo tal twist. É um equilíbrio difícil o de explorar ao uma mecânica ao máximo sem a tornar aborrecida, e The Pedestrian falha por pouco esse equilíbrio, pecando por alguma escassez.
 
Algo que não ajuda esta sensação é o facto de The Pedestrian não incentivar muito a rejogabilidade da sua curta campanha. Existem algumas áreas bem escondidas, podendo o jogador muito facilmente não encontrar uma sequer antes de chegar aos créditos finais. Nestas áreas, encontramos diferentes chapéus com os quais personalizar um pouco o nosso boneco. Assim, apenas os jogadores sedentos de ver tudo o que o jogo tem para oferecer quererão voltar a passar pela experiência para encontrar os segredos que lhes tenham escapado. Talvez os fãs de personalização cosmética também se sintam algo incentivados a encontrar todos os chapéus, mas fica a impressão de que as possibilidades de caracterização do nosso boneco acabam por ser algo superficiais para fomentar essa vontade, sobretudo porque estes não são propriamente desbloqueados para se poder usar mais tarde, mas trocados na hora, deixando para trás o que se estava a usar.
 
No entanto, algo que também não ajuda nesta questão da rejogabilidade é o facto de não haver um único troféu ligado a estes segredos, estando todos os 10 troféus do jogo ligados à progressão natural pela campanha. A satisfação de ver todos os troféus desbloqueados no final da experiência é grande, sobretudo para os caçadores destas conquistas virtuais (como é o meu caso). Mas sem o chamamento de um troféu que se esgueirou à primeira, um dos maiores incentivos modernos à rejogabilidade não está presente. Em suma, é uma pena que The Pedestrian não tenha feito um esforço um pouco maior para motivar os jogadores a voltar a passar pela experiência agradável e apelativa que consegue oferecer.
 

Olhemos para aspetos mais técnicos, começando pelo que se destaca – o visual. Nas placas onde decorre a jogabilidade com o nosso boneco, The Pedestrian apresenta uma direção artística simples e apelativa. No entanto, estas placas não se encontram no vácuo, estando sempre rodeados de cenários tridimensionais detalhados e vívidos. A nitidez ou resolução gráficas nunca são do mais avançado que há, mas este misto de estilos visuais da ação em primeiro plano com o que se pode observar nos planos de fundo confere a este jogo uma atmosfera única e extremamente bem conseguida, sobretudo quando a ação bidimensional afeta o espaço em 3D.
 
Outra vertente com uma implementação de excelência é a musical. A música que acompanha o jogo é sempre descontraída e relaxante, contribuindo para a sensação agradável que marca toda a experiência. Para mais, a temporização da música tem de ser enfatizada, oferecendo melodias mais silenciosas em momentos de quebra-cabeças mais complexos, enquanto fornece trilhas sonoras mais animadas e mexidas na transição entre zonas. Ou seja, a música respeita os momentos em que o jogador estará a esforçar-se para encontrar soluções para os desafios, enaltecendo depois os sucessos alcançados. Esta implementação é brilhantemente eficaz, concedendo ao jogador uma sensação gratificante ao longo do jogo, e contribuindo significativamente para a atmosfera que a vertente visual trabalha para alcançar.
 
Por fim, é também positivo constatar que The Pedestrian não apresenta qualquer percalço ou soluço no que diz respeito ao desempenho da experiência. Não encontrei um único bug ou erro que prejudicasse a resolução de puzzles ou a movimentação no jogo. Também a fluidez do jogo nunca foi quebrada, com a ação dentro das placas e as movimentações no ambiente tridimensional a ocorrerem sempre a 60 fotogramas por segundo. Também os tempos de carregamento são extremamente reduzidos, havendo pouquíssimos segundos entre o lançar do jogo e o controlo ser posto nas mãos do jogador.
 

Conclusões
The Pedestrian é jogo de puzzles muito competente. Com uma ideia base bastante criativa, um twist genuinamente surpreendente e uma atmosfera única, toda a experiência é prazerosa. Os níveis estão bastante bem desenhados, com ambientes 2.5D visualmente interessantíssimos e cativantes. Gostaria de ter encontrado puzzles mais desafiantes e de ser mais incentivado a regressar a este jogo. The Pedestrian acaba por ser uma experiência contida, relaxante e tranquila, talvez ideal para este início de ano mais atribulado do que todos gostaríamos.
 
O Melhor:
  • A premissa é bastante criativa, com uma interessante, e inesperada, reviravolta
  • Jogabilidade com elementos variados, mas sempre descontraída e acessível
  • Conjunto do primeiro plano e planos de fundo tornam este um jogo visualmente apelativo
  • A música é muito bem implementada e contribui para uma experiência bastante agradável
 
O Pior:
  • A dificuldade é algo inconsistente e sente-se falta de puzzles mais desafiantes
  • Campanha algo curta e que pouco incentiva à rejogabilidade
 
Pontuação do GameForces – 8/10
 
Título: The Pedestrian
Desenvolvedora: Skookum Arts
Publicadora: Skookum Arts
Ano: 2021
 
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de um código gentilmente cedido pela Skookum Arts.


Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita


[Análise] The Pedestrian [PS4] [Análise] The Pedestrian [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on janeiro 29, 2021 Rating: 5

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