[Análise] Crash Bandicoot 4: It’s About Time [PS4]


A década de 90 já lá vai. Mas isso não significa que as mascotes nascidas nessa era dos videojogos deixem de existir ou de continuar no estrelato. Por exemplo, Super Mario continua forte e Sonic the Hedgehog, apesar de alguma inconsistência, mantém toda a sua popularidade. Depois de vários jogos mal conseguidos, Crash Bandicoot voltou à ribalta com os fenomenais remakes da N. Sane Trilogy. Agora, a Toys For Bob pega nas lições aprendidas e tenta a sua sorte com o primeiro jogo original desta amada mascote em mais de uma década. Estará na hora de fazer este franchise avançar, ou estará Crash condenado a ser um ato nostálgico preso no tempo?
 

Depois dos eventos da trilogia original, Neo Cortex e o restante elenco de vilões da série Crash Bandicoot conseguem finalmente escapar do exílio, causando graves perturbações nas várias dimensões temporais e espaciais do multiverso. Ao persentir estas perturbações, Aku Aku acorda Crash, urgindo que este e a sua irmã Coco vão em busca das quatro máscaras quânticas capazes de reverter quaisquer danos estejam a ser causados. Ao concordar, o duo parte numa nova aventura pelo multiverso fora. Recheada de voltas e reviravoltas, esta será uma aventura que coloca todo o passado de Crash Bandicoot em perspetiva, enquanto estabelece uma ponte para um futuro risonho. Vejamos porquê.
 
Apesar de um pouco mais complexa, a narrativa desta campanha continua a ser algo simples e serve meramente como tabuleiro com o qual se serve ao jogador o prato principal: a jogabilidade. Ao longo de 43 níveis, podemos levar tanto Crash como Coco a correr, saltar e rodopiar para derrotar animados inimigos, ultrapassar armadilhas mortíferas ou até fugir de ameaças inultrapassáveis. Dos jogos cronologicamente anteriores, mantêm-se habilidades como o duplo salto, o deslizar, ou o salto elevado, bem como a presença de frutos para colecionar e de várias caixas para partir. Portanto, a jogabilidade base de Crash Bandicoot 4 mantém-se relativamente a mesma que se pode encontrar na aclamada N. Sane Trilogy lançada há três anos. Manusear Crash, tanto no chão como no ar, volta a ser bastante intuitivo e preciso, levando a uma jogabilidade geral extremamente fluída.
 
No entanto, há duas mudanças fundamentais a notar. Primeiro, ao saltar podemos ver que um indicador surge no chão por baixo de Crash. Este serve para ajudar o jogador a ter uma ideia mais precisa da sua posição em relação ao chão, resolvendo assim a questão da dificuldade em percecionar bem a profundidade do espaço do nível. Podemos demorar um pouco adaptarmo-nos a este elemento, e é verdade que quando estamos no chão podemos continuar a ser surpreendidos com a proximidade de um inimigo, mas é uma solução engenhosa que torna a perceção da experiência como mais justa. Depois, a caixa de contacto de Crash parece ser mais coerente com o modelo da personagem. Os fãs da trilogia de remakes poderão recordar momentos em que Crash simplesmente escorregou de uma plataforma quando aterrou na sua borda. Esse problema desapareceu por completo com as caixas de contacto retrabalhadas tanto para o protagonista como para os ambientes e inimigos.
 

Mas as novidades relativas à jogabilidade não terminam por aqui. Em alguns níveis, Crash e Coco podem neste jogo deslizar ao longo de longos corrimões, ou até correr em algumas paredes específicas. Para além disso, e à medida que vamos progredindo na narrativa e encontrando cada uma das 4 máscaras quânticas, novas habilidades temporárias vão podendo ser utilizadas – fasear objetos e plataformas, um rodopiar contínuo e mais poderoso, desacelerar o tempo, ou inverter a gravidade. Enquanto algumas destas habilidades não são propriamente revolucionárias, acrescentam à jogabilidade algo de refrescante, sobretudo quando atravessamos secções onde temos de mudar rapidamente de uma para outra e reagir rapidamente à dita mudança. De notar também que cada uma destas habilidades funciona fantasticamente bem, particularmente a da gravidade invertida. É de louvar a implementação de mecânicas intuitivas quanto à navegação em tetos, algo que mesmo alguns dos melhores jogos de plataformas da história não conseguem alcançar, pelo menos não tão bem como em Crash Bandicoot 4.
 
Claro que não serviria de nada ter mecânicas boas, variadas e bem implementadas se a qualidade dos níveis não acompanhasse, e felizmente em Crash Bandicoot 4 não só acompanha como enaltece tudo o resto. Estamos perante 43 níveis extremamente bem desenhados. Cada nível apresenta-se mais longo do que o esperado, estando bastante recheado de caixas para encontrar (e partir), de segredos para desvendar e, claro, de inimigos e armadilhas para ultrapassar. A perspetiva volta a variar entre o 3D puro e o 2.5D, e voltamos a encontrar algumas secções onde Crash tem de correr na direção da câmara para escapar a um inimigo cuja derrota está fora do nosso alcance. Verificamos que a distribuição de inimigos, caixas e até dos frutos está pensada ao pormenor, sendo um genuíno prazer encontrar estes elementos dispostos de modo peculiar e com isso sermos levados a explorar uma área escondida e recheada de segredos.
 
Naturalmente que as áreas bónus também estão de volta, havendo uma em cada nível, com a natural exceção dos níveis de boss. Cada uma destas apresenta-se em 2.5D, e convida-nos a resolver um puzzle onde a nossa capacidade de raciocínio rápido e de destreza mecânica é recompensada. Já em relação às batalhas contra bosses, cada encontro é mais interessante e mais exigente que o anterior, testando o nosso domínio das várias mecânicas de jogo introduzidas até aquele ponto. E por falar em exigência, há que referir que estamos perante uma experiência claramente influenciada por filosofias de “velha guarda” – ou seja, Crash Bandicoot 4 é um jogo extremamente desafiante. Felizmente a curva de aprendizagem implementada é fenomenal, e mesmo os jogadores novos retirarão prazer dos primeiros níveis e verão as suas capacidades crescer à medida que a campanha vai avançando, sendo capazes de, no fim, ultrapassar os desafios dos últimos níveis, apesar destes serem extremamente exigentes até para veteranos. Ainda neste assunto, este jogo apresenta-nos dois modos de jogo: um moderno onde não há vidas e em cada morte se recomeça no checkpoint mais próximo, e um retro que retém o sistema de vidas, havendo a possibilidade de um “game over”. Esta implementação é uma das que facilita a entrada de novos jogadores e que ajuda a tornar toda a experiência igualmente agradável para os jogadores casuais e para os mais veteranos, sendo de louvar esta iniciativa.
 

Em 11 dos 43 níveis do jogo, é possível jogar com mais personagens para além do titular marsupial, podendo assumir o papel de Tawna, uma ex-namorada de Crash vinda de uma dimensão alternativa, de Dingodile, antigo vilão agora reformado e preocupado em começar uma cadeia de restaurantes, e até do próprio Neo Cortex, habitual antagonista destes jogos. Cada uma das personagens vem com algumas habilidades semelhantes a Crash e Coco, mas também com uma ou outra capacidade diferente. Tawna pode utilizar um gancho para voar sobre falésias ou para alcançar caixas e segredos a largas distâncias; Dingodile tem uma arma que lhe permite sugar e disparar objetos, como caixas explosivas, bem como flutuar durante alguns segundos; e Neo Cortex tem uma arma capaz de transformar inimigos em plataformas e a capacidade de se impulsionar numa direção.
 
A presença destas personagens jogáveis acrescenta imensa variedade à jogabilidade de Crash Bandicoot 4, e a implementação destas personagens e dos seus níveis na narrativa é maioritariamente muito bem conseguida, ao verificar que as suas ações influenciam diretamente os acontecimentos nos níveis exclusivos do duo de protagonistas. Mas é também com a presença destas personagens adicionais que encontramos os primeiros grandes soluços desta experiência. Estas personagens apenas são controláveis durante cerca de metade dos seus níveis, com a segunda metade a ver-nos regressar à pele de Crash. Isto é problemático por dois motivos. Primeiro porque a secção de Crash é uma repetição de algo já jogado num nível exclusivo do marsupial, apresentando apenas algumas ligeiras diferenças - como caixas reposicionadas. Parece-nos que teria sido mais prazeroso expandir um pouco mais os níveis e deixá-los como exclusivos das várias personagens. Segundo, porque temos de esquecer rapidamente as diferenças na jogabilidade às quais nos readaptamos nos minutos anteriores, processo que pode, por vezes ser frustrante.
 
O grande problema, e muito provavelmente o maior ponto negativo da experiência, prende-se com a jogabilidade de Neo Cortex. Para começar, esta é a única personagem sem qualquer mecânica de duplo salto ou sua semelhante, tornando uma grande parte da experiência algo contraintuitiva quando comparada com a verificada no resto do jogo. Depois, após uma impulsão Neo Cortex fica a flutuar durante cerca de 1 segundo, algo que prejudica o aterrar sobretudo nas plataformas em movimento. Com isto, fica a sensação de que os níveis desta personagem não foram propriamente aprimorados para enquadrar estas mecânicas de jogo tão diferentes das habituais. Isto resulta em níveis com designs e aspetos extremamente coerentes com o global da experiência, mas pouco ajustados e, consequentemente, frustrantes para o jogador, apresentando-se como o único ponto verdadeiramente negativo desta experiência.


Para os dias de hoje, um jogo deste género apresentar pouco mais de 40 níveis pode parecer escasso. De facto, se nos cingirmos meramente aos níveis base da campanha, podemos alcançar os créditos finais em cerca de 7 ou 8 horas. Mas as aventuras não terminam com os créditos, uma vez que, sem surpresa alguma, Crash Bandicoot 4 está recheado de desafios conquistar e de colecionáveis para encontrar. No final de cada nível, recebemos joias consoante o número de frutos colecionados, de caixas partidas e de mortes sofridas. Podemos ainda encontrar uma joia escondida por nível e, ocasionalmente, joias coloridas que servem de recompensa pela descoberta e concretização de curtos desafios. Enquanto as joias base servem para ir colecionando vários fatos ou skins para Crash e Coco, as coloridas voltam a permitir explorar certas áreas escondidas em alguns dos níveis. Com tudo colecionado, o jogador será brindado com versões diferentes das cinemáticas finais, descobrindo o desfecho para cada personagem relevante e até uma pequena indicação do caminho que uma futura sequela poderá vir a tomar.
 
Outro colecionável bastante relevante diz respeito às cassetes de vídeo. Existe uma destas por cada nível exclusivo a Crash e Coco que não inclua uma batalha boss, num total de cerca de 20. Geralmente estas encontram-se no nosso caminho natural, mas apenas podem ser colecionadas caso não tenhamos morrido uma única vez nesse nível. Ao colecionar uma, desbloqueia-se um nível flashback, que consiste numa espécie de área bónus que retrata o passado de Crash enquanto este era treinado e testado por Neo Cortex, ainda antes dos eventos do primeiro jogo. Esta é uma adição interessantíssima, que presta homenagem aos primórdios deste franchise enquanto aprofundam este universo.

Para mais, a partir de um certo ponto na campanha desbloqueamos a opção de jogar os níveis invertidos. Ou seja, cada um dos 43 níveis da campanha pode ser jogado com o mundo em espelho e com um filtro visual diferente. Enquanto os filtros visuais acabam por dar a cada nível e mundo um aspeto interessante e diferenciado, sendo muitas vezes um deleite para os olhos, a questão do espelhar dos níveis pode não ser um fator suficientemente diferenciador, apesar de tornar os níveis finais ainda mais desafiantes. Com tudo isto, e com os já habituais desafios de tempo (onde temos de terminar cada nível dentro de um certo tempo limite) e desafios perfecionistas (colecionar tudo num nível e terminá-lo sem morrer), estamos perante uma oferta bastante robusta que poderá durar várias dezenas de horas, mesmo aos jogadores que dominem por completo as mecânicas de jogo.
 

Se a inclusão de todos estes desafios não surpreenderá nenhum fã de longa data das aventuras do famoso marsupial, Crash Bandicoot 4 inclui algo inesperado: vários modos multijogador. Logo no menu inicial conseguimos ver uma opção para as “Bandicoot Battles”, um modo onde até 4 jogadores podem competir entre eles em dois minijogos: checkpoint race ou crate combo. Na primeira, cada jogador terá de chegar ao checkpoint seguinte o mais rapidamente possível, com o jogador a acumular a maior quantidade de melhores tempos a ganhar. Na segunda, cada jogador terá de acumular mais pontos através da destruição de caixas entre cada checkpoint, com o valor de cada caixa a aumentar com cada uma destruída. Mas este aumento não dura sempre, sendo necessária velocidade para manter a combinação ativa.
 
Não são jogos muito complexos de se entender, mas podem fornecer aos vários jogadores mais horas de diversão. Todos os níveis base e exclusivos a Crash e Coco podem ser escolhidos para estes minijogos, podendo ser ainda um modo de vários jogadores irem aprendendo e dominando cada nível de modo a praticar para os exigentes desafios no modo de campanha. Outro aspeto muito relevante é o facto deste modo ser meramente local, sem qualquer componente online, não sendo sequer necessário ter dois comandos funcionais para se poder aproveitar estes modos de jogo.
 
Mas a surpresa mais interessante talvez seja a inclusão de um modo cooperativo na campanha, através da funcionalidade “Pass N. Play”. Esta pode ser ativada e desativada em qualquer altura da história, e basicamente indica ao jogador para passar o comando a outros quando morre e/ou quando atinge um checkpoint. Dá para escolher quando se quer que o comando seja passado e quantos jogadores estão envolvidos, sendo extremamente simples incorporar amigos ou familiares que estejam connosco na nossa sessão de jogo. Uma vez mais, não é nada de particularmente complexo, e até algo que pode ser combinado fazer-se sem recorrer a esta funcionalidade, mas é algo interessante saber que os produtores reconhecem e incentivam este modo clássico de jogar com outros.
 

Olhando agora para aspetos mais técnicos, e começando pela vertente visual de Crash Bandicoot 4, é impossível não elogiar o trabalho apresentado pela Toys For Bob. Todas as personagens foram redesenhadas para acomodar uma direção artística mais vibrante e colorida, e o resultado roça a perfeição. Neste franchise, nunca os níveis pareceram mais vivos, nem cada personagem tão expressiva como agora. Como anteriormente referido, alguns dos efeitos visuais e luminosos dos níveis invertidos são também bastante belos, dando ao jogo uma identidade visual simultaneamente variada e coerente. Tudo isso aliado a animações exímias, tanto nos níveis como nas cenas cinemáticas, dão a cada personagem uma personalidade tão única como nenhum jogo desta série tinha sido capaz de fazer.
 
Quanto à vertente sonora, nomeadamente no que à música diz respeito, podemos dizer que estamos perante um trabalho competente, mas longe de espetacular. Cada nível apresenta a sua trilha sonora coerente com a temática do mesmo, mas a banda sonora acaba por ser derradeiramente pouco memorável. Já no que toca aos desempenhos dos atores de voz, a história é outra. Cada desempenho ajuda a cimentar a personalidade de cada herói e vilão que a nova direção artística potencia, dando a sensação de estarmos a ouvir alguns dos desenhos animados icónicos das nossas infâncias.
 
Finalmente, há algo de muito particular com o desempenho de Crash Bandicoot 4. Durante os níveis, o jogo corre de forma bastante consistente nos 30 fotogramas por segundo, não tendo verificado nenhuma quebra enquanto corria e saltava com Crash ou com outra das personagens jogáveis. A particularidade é que há momentos em que se tem a sensação de que estes valores se encontram mais elevados, muito provavelmente devido ao estilo de animação implementado. Tudo isto complementa a direção artística do jogo quase impecavelmente. E digo quase devido a uma cena cinemática ou duas onde a otimização não foi tão bem conseguida, com alguns trechos a apresentarem um desempenho notavelmente abaixo do resto da experiência.
 


Conclusões
No que toca a jogos originais, Crash Bandicoot 4: It’s About Time é um regresso triunfal do amado marsupial. Utilizando como base a excelência dos remakes da trilogia original, este título oferece uma jogabilidade mais variada, mais gratificante e mais desafiante. Com uma quantidade absurda de desafios para conquistar, e com uma nova direção artística resplandecente, arriscamo-nos a afirmar que Crash atinge aqui o seu expoente máximo. Estamos perante uma experiência de excelência, e os fãs de jogos de plataformas têm aqui uma oferta obrigatória.
 
O Melhor:
  • Visualmente é o jogo mais interessante e bem conseguido do franchise
  • Níveis geralmente fantásticos e com uma boa progressão na dificuldade
  • Novas personagens jogáveis acrescentam uma variedade refrescante
  • Recheado de conteúdo desafiante que motiva imenso a rejogabilidade
  • Modos multijogador são uma adição agradável
 
O Pior:
  • Jogabilidade e níveis de Neo Cortex deveriam ter sido mais bem executados
  • Música pouco memorável
 
Pontuação do GameForces – 9/10

 
Título: Crash Bandicoot 4: It’s About Time
Desenvolvedora: Toys For Bob
Publicadora: Activision-Blizzard
Ano: 2020
 
Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Playstation 4, através de um código gentilmente cedido pela PlayStation Portugal.
 
Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita


[Análise] Crash Bandicoot 4: It’s About Time [PS4] [Análise] Crash Bandicoot 4: It’s About Time [PS4] Reviewed by Filipe Castro Mesquita on novembro 20, 2020 Rating: 5

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