Há jogos que tentam assustar-nos com monstros maiores, sons mais altos ou sustos mais fáceis. E depois há outros — mais raros — que tentam mexer com aquilo que realmente importa: a nossa perceção, a nossa ansiedade, a sensação de que algo não está bem mesmo quando tudo parece normal. A.I.L.A pertence claramente a esta segunda categoria. Desde o primeiro minuto, o jogo deixa um aviso silencioso de que não quer apenas meter-te medo… quer entrar na tua cabeça, moldar o caminho ao teu redor e testar até onde vai o teu desconforto. É uma promessa ousada, carregada de potencial — mas será que consegue manter esse fio tenso até ao fim? Ou acaba por tropeçar na própria ambição?
A.I.L.A apresenta-se ao mundo como um jogo de terror psicológico em primeira pessoa, colocado num futuro próximo onde a tecnologia imersiva domina o quotidiano. Assumimos o papel de um tester de uma inteligência artificial inovadora, criada para analisar emoções humanas em cenários simulados. O problema? Estas simulações rapidamente começam a ultrapassar o limite do virtual, confundindo o jogador num ciclo de tensão crescente.
Com a instalação desta nova tecnologia no computador da nossa personagem, começamos a sentir pequenas interações dentro de casa que nos alertam para a verdadeira dinâmica do jogo: o desconforto, o medo e a constante sensação de que algo não está totalmente certo. Estas emoções intensificam-se quando finalmente interagimos com o programa A.I.L.A, explorando os diversos cenários criados por esta inteligência artificial. Em certos contextos estamos completamente desarmados, o que reforça a sensação de insegurança; noutros, o jogo coloca-nos armas na mão — desde armas de fogo a espadas em experiências de inspiração medieval.
Desde cedo, sente-se que estamos perante um projeto ambicioso: a ideia de uma IA que constrói espaços de terror com base nas nossas escolhas e reações dá ao jogo uma identidade distinta. E quando o horror psicológico entra em cena — com distorções de realidade, ambientes opressivos e momentos de isolamento absoluto — A.I.L.A entrega alguns dos seus melhores instantes.
A variedade de experiências ajuda a manter esta imprevisibilidade. Passamos por corredores claustrofóbicos, zonas sombrias que parecem arrancadas de um pesadelo, espaços quase oníricos e até confrontos com criaturas de aparência alienígena. Há também secções que evocam o desconforto de um hospício abandonado, com toda a carga psicológica que isso implica. Esta diversidade faz com que o jogador percorra diferentes nuances do medo, desde o desconforto subtil até momentos mais intensos, reforçando a sensação de constante instabilidade.
Um dos pilares que mais eleva a atmosfera é a sonoplastia, que se encontra muito bem trabalhada. A.I.L.A sabe usar o silêncio como arma, pontuando-o com murmúrios distantes, rangidos inquietantes e ecos que parecem deslocados no espaço. Há instantes em que o som assume quase o papel de uma entidade, ora a guiar, ora a confundir, ora a antecipar algo que pode nem chegar a acontecer. Não é um trabalho particularmente inovador para o género, mas é executado com uma precisão que reforça continuamente a ilusão de estar preso numa simulação instável, onde qualquer ruído pode desencadear algo inesperado.
Mas é quando o jogo aposta no desconforto subtil que mais se destaca. Os puzzles, as manipulações de memória, as pequenas alterações impercetíveis no cenário e os jogos de perceção criam alguns dos momentos mais interessantes da experiência. Há portas que antes estavam abertas e que passam a estar fechadas sem explicação, sombras que se movem ligeiramente fora do compasso da luz e objetos que surgem deslocados como se alguém — ou algo — os tivesse mexido enquanto olhavas para outro lado. A progressão é marcada por situações em que o espaço se reorganiza quando menos esperas, desafiando continuamente a tua perceção.
Em determinados segmentos, temos mesmo a sensação de que a IA está a monitorizar cada reação, ajustando o ritmo e a intensidade do terror conforme a hesitação ou curiosidade do jogador. Quando isto acontece, A.I.L.A deixa de ser apenas um jogo de terror e transforma-se numa experiência psicológica genuinamente inquietante — e é aqui que chega mais perto do seu potencial máximo.
Infelizmente, todas estas virtudes acabam por ser contrariadas por falhas técnicas e mecânicas que prejudicam o impacto geral. O combate é, sem surpresa, o maior problema: tiroteios sem peso, animações rígidas, inimigos previsíveis e confrontos que raramente exigem alguma estratégia real. A mira por vezes mostra-se imprecisa e os impactos não transmitem qualquer sensação de força. Um tiro de caçadeira, por exemplo, devia provocar algum efeito tangível — seja no nosso próprio personagem ou no inimigo, com sangue, expressão de dor ou reação física convincente — mas isso quase nunca acontece.
Quando o jogo tenta criar urgência através do número de adversários, a falta de profundidade das mecânicas transforma o que deveria ser tensão em repetição. Quando A.I.L.A tenta acelerar o ritmo pela ação, a atmosfera cuidadosamente construída desfaz-se, quebrando a imersão que até então sustentava os melhores momentos.
Mas é importante destacar que, apesar da globalização da indústria, a equipa da Pulsatrix Studios é brasileira e fez questão de lançar o título completamente em português — com sotaque brasileiro, tanto nas legendas como no próprio áudio. Esta escolha aumenta a imersão, permitindo que diálogos e instruções sejam compreendidos sem barreiras linguísticas e conferindo um toque de autenticidade à experiência, beneficiando também quem tem dificuldades com outras línguas. O título também tem alguns easter eggs que mostram bem a identidade da equipa, tentem encontrá-los!
Conclusão
No fim, A.I.L.A é um projeto ambicioso que acerta em muitos pontos, especialmente na construção de tensão psicológica e na atmosfera sonora. A premissa da IA adaptativa e os momentos de desconforto subtil são, sem dúvida, o coração do jogo e proporcionam experiências memoráveis. Por outro lado, falhas técnicas e mecânicas de combate limitam o potencial do jogo, tornando alguns segmentos repetitivos e diminuindo o impacto geral da experiência. É, portanto, uma obra que merece ser jogada por quem procura terror psicológico e puzzles que desafiem a perceção, mas que também exige paciência para lidar com os problemas de execução.
O melhor
- Atmosfera e tensão psicológica intensas;
- Puzzles e manipulação de perceção que desafiam o jogador;
- Sonoplastia imersiva, com sons que guiam, confundem e aumentam o desconforto;
O pior
- Combate sem peso, repetitivo e previsível;
- Animações rígidas e impactos pouco convincentes;
- Pequenos problemas técnicos que prejudicam a imersão.
Nota do GameForces: 7/10
Reviewed by Filipe Martins
on
dezembro 08, 2025
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