[Análise] Return of the Obra Dinn [NSW]


Se há um género literário que sempre me fascinou, é murder mystery. É extremamente aliciante acompanhar um detetive enquanto este disseca uma cena de crime e interliga todas as pistas encontradas para conseguir desvendar os acontecimentos que lá transpiraram (apenas para acabar estupefacto no final perante a verdadeira solução que me passou totalmente ao lado).

Os videojogos apresentam um enorme potencial neste campo. Afinal de contas, a interatividade desta forma de entretenimento significa que, ao invés de simplesmente acompanharmos uma figura detetive no seu processo dedutivo, temos a oportunidade de assumir o seu papel. Foi assim que nasceram ótimos jogos como Phoenix Wright: Ace Attorney, L.A. Noire e Danganronpa. Mas nestas experiências muitas vezes o jogador é “teleguiado”: todas as pistas são esfregadas no ecrã, as respostas aos mistérios são apresentadas dentro de um conjunto bem limitado de alternativas, e a progressão dá-se de um modo totalmente linear e estritamente delineado.


Return of the Obra Dinn desfaz-se destas amarras. Logo de imediato, somos colocados na tranquilidade de Obra Dinn, um navio mercante do começo do século XIX que acostou em Falmouth. Não parece haver qualquer sinal de vivalma a bordo, estando os tripulantes ou mortos ou desaparecidos. É portanto a missão do jogador, enquanto investigador de seguros, descobrir o que aconteceu à embarcação e àqueles que nela viajavam, algo que fazemos ao nosso próprio ritmo.

Para concretizar esta tarefa, temos à nossa disposição um relógio de bolso mágico capaz de nos transportar para o momento da morte de um indivíduo, assim que encontramos o seu corpo. Nestas memórias, podemos ouvir os eventos anteriores à morte, bem como explorar um snapshot do navio no momento do último suspiro. Como não está alguém a morrer a todo o momento, a sequência de eventos é revelada de forma episódica e incompleta, cabendo a nós a tarefa de interligar os eventos mentalmente de modo coerente.


Possuímos também um livro onde não só são catalogadas automaticamente as memórias que vemos, mas onde podemos também consultar um útil glossário, a lista dos tripulantes e um esboço da tripulação. É neste livro que registamos as nossas conclusões: para cada um dos corpos que encontramos, temos de desvendar e anotar a identidade do falecido, a causa de morte e quem o matou, caso ele tenha sido assassinado. Com 25 possíveis causas de morte e 60 tripulantes, é praticamente impossível chegar à resposta correta recorrendo ao acaso, algo que é anda mais assegurado por os “destinos” serem confirmados em conjuntos de 3.


Obra Dinn não nos guia pela mão. Para conseguirmos decifrar as mortes, é necessário pesarmos minuciosamente toda a informação à nossa disposição. Embora em alguns raros momentos sejamos agraciados com um nome, na maior parte dos casos vamos partir de pequenas pistas como relações interpessoais, uniformes, postos no navio, sotaques, aparência física, entre muitos outros detalhes. Não é fácil de todo; as deduções implicam paciência, atenção e dedicação, e há momentos em que realmente não sabemos por onde progredir. Mas o navio tem uma riqueza de pistas tal que não demorará muito até finalmente se dar um clique, e quando isso acontece o sentimento de regozijo é incrível. É possível terminar o jogo sem descobrir uma boa quantidade de destinos, mas esse menor envolvimento afeta diretamente a satisfação que obtemos. Quanto mais damos a Return of the Obra Dinn, mais recebemos em troca.

Desengane-se quem pensar que, por estarmos totalmente nas rédeas do processo dedutivo, o jogo nos deixa completamente à nossa sorte. São vários os toques subtis empregues para que não nos sintamos verdadeiramente perdidos por muito tempo: no livro, os retratos dos tripulantes encontram-se desfocados até termos informação suficiente para decifrar a sua identidade. Além disso, Obra Dinn controla a ordem na qual vemos as memórias e limita as áreas que podemos explorar nestas, assegurando assim que podemos organizar os acontecimentos de modo coerente e que não divagamos para além dos pontos de interesse.


No entanto, é pena que não tenhamos nenhuma forma de revisitar memórias passadas sem precisar de ir de encontro ao cadáver associado. No começo, esta questão não tem importância, mas após todas as memórias terem sido desbloqueadas, é desgastante localizar cada um dos corpos quando se quer arrumar as pontas soltas.

Da mesma forma, é frustrante que, em memórias que contenham outro cadáver, sejamos rapidamente trazidos de volta para o momento presente para que possamos ver onde será colocada a sua representação “fantasma” (que poderemos usar daí em diante para aceder uma nova memória). Com esta dinâmica, é frequente vermos o cadáver no momento presente antes mesmo de o termos descoberto organicamente na memória e sofremos algum desgaste por termos de regressar constantemente ao cadáver anterior para poder analisar a cena com calma. É um problema especialmente desagradável quando sabemos que podia ser eliminado se o jogo simplesmente aguardasse que o jogador abandonasse voluntariamente a área.

Também faz falta a opção de regular separadamente o volume da música e dos efeitos sonoros.  Embora a música contribua positivamente para a atmosfera, uma relativa quietude não faria mal nos momentos em que queremos raciocinar. Mas todos estes problemas são pormenores de reduzida importância numa experiência única, que ninguém com interesse neste título deve ver como pretexto para não experienciar esta proposta.

Não podemos terminar esta análise sem deixar uma nota merecida à apresentação visual. Esta assume um estilo “1-bit” reminiscente de monitores como IBM 5151 e Commodore 1084, o que lhe confere uma identidade única e que juntamente com os excelentes efeitos sonoros torna o navio majestoso.



Conclusão: 
Para aqueles que procuram uma experiência de detective, Return of the Obra Dinn proporciona um mistério eximiamente construído que confia no jogador para percorrer o belo navio e fazer dedução atrás de dedução de uma forma sem igual noutras propostas do gênero. É certamente necessária muita paciência e atenção para desvendar os acontecimentos, mas isso só aumenta o prazer que sentimos quando finalmente o fazemos.

O melhor:
 - Confiança na autonomia do jogador;
 - Imensa variedade nas pistas (e consequentemente no processo dedutivo);
 - Intrigante cenário;
 - Visual único e belo.

O pior:
 - Ausência de opções para corrigir certas inconveniências;
 - Curta duração.

Pontuação do GameForces: 8.5

Título: Return of the Obra Dinn
Desenvolvedora: 3909
Publicadora: 3909
Ano: 2019

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Nintendo Switch, através de um código gentilmente cedido pela 3909.

Autor da Análise: Tiago Sá

[Análise] Return of the Obra Dinn [NSW] [Análise] Return of the Obra Dinn [NSW] Reviewed by Tiago Sá on março 12, 2020 Rating: 5

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