BioShock – Retrospetiva e Perspetivas Futuras



Não tendo ainda muitas entradas de seu nome, BioShock tornou-se uma das séries de videojogos mais aclamadas, tanto por fãs como por críticos. Com a trilogia de jogos lançados atualmente disponível na vasta maioria das plataformas para aquisição, com a colecção disponível na PS Now e com a oferta deste mês na PS Plus, muito se tem falado do que trará de novo o próximo jogo. Assim, faremos aqui uma retrospetiva de toda a série até agora – BioShock, BioShock 2 e BioShock Infinite -, falaremos do que já sabemos acerca do próximo jogo, e tentaremos indicar expectativas para o futuro. É importante referir que o artigo que se segue incluirá spoilers dos três jogos, pelo que se aconselha cautela caso ainda não tenham passado pela experiência completa.


BioShock e a Revolução Narrativa em 2007

Produzido pela Irrational Games, e publicado pela 2K Games, o BioShock original chegou à PlayStation 3, Xbox 360 e PC em 2007. Dirigido por Ken Levine, este título apresentou-se como o sucessor de System Shock 2, misturando uma jogabilidade na primeira pessoa com vários elementos de ficção científica. BioShock foi extremamente bem recebido pela crítica e pelo público, com avaliações acima dos 90 e perto dos 90 respetivamente, segundo a Metacritic.

De um ponto de vista técnico, o jogo ajudou a quebrar limites da nova geração de consolas da altura, apresentando uma jogabilidade fluída e um mundo claustrofóbico, mas atraente e intrigante. Misturando elementos de FPS clássico com poderes estranhos (através dos plasmids), pequenos elementos de RPG e diversas abordagens à exploração e combate, BioShock foi uma lufada de criatividade do início ao fim. No entanto, não seria apenas pelos seus méritos técnicos e de jogabilidade que BioShock viria a entrar para a história – seria antes pela sua qualidade narrativa.

BioShock foi extremamente inovador no seu modo de contar histórias, tanto na forma como no conteúdo. Neste título, jogamos como Jack, que chega à distópica cidade subaquática de Rapture após o seu avião se despenhar no meio do oceano. Este setting introduz diversas temáticas pouco exploradas à data, nomeadamente as relacionadas com biopunk, um género dentro da ficção científica que se foca na experimentação biológica e genética.


Numa primeira instância a história é quase toda ela contada de forma dinâmica, com a jogabilidade quase sempre em andamento e com o jogador a estar em controlo durante a grande maioria do tempo. Esta ideia foi implementada de acordo com a filosofia de Ken Levine, que idealizou videojogos com narrativas envolventes e sem se refugiarem em cutscenes. Contudo o jogo conta com um significante plot twist, onde todas as ações do jogador foram sendo forçadas, devido a um condicionamento hipnótico que Jack recebeu e que o obriga a obedecer a qualquer pedido ou ordem que inclua a frase “Would you kindly” (“Podes fazer-me o favor”, numa tradução grosseira).

Esta revelação brilhante leva o jogador a refletir acerca de todas as suas ações, não só em BioShock, mas em todos os jogos que já jogou e virá a jogar. Porque é que em Grand Theft Auto: Vice City aceitamos demolir um edifício em construção utilizando apenas um helicóptero de brincar? Porque é que em Uncharted 3 aceitamos que Nathan Drake (mais uma vez) assassine dezenas de pessoas em prol da promessa de um tesouro? Ou porque é que em Katamari Damacy teremos de rolar todos os objetos que surgem à nossa frente?

Com um twist tão genialmente simples, toda a nossa relação com videojogos, e respetivas personagens e narrativas, foi posta em causa. Esta reflexão acerca da nossa própria condição enquanto jogador que controla um avatar foi o que impulsionou toda a experiência de BioShock para uma das mais aclamadas de sempre. Com um legado destes, naturalmente que os jogadores queriam mais e não muito tempo depois foram anunciadas e publicadas as aguardadas sequelas.


BioShock 2, a Aguardada Sequela que Ficou Algo Aquém das Expectativas

Em 2010, a tão aguardada continuação chegou às mesmas plataformas, novamente através da 2K Games, mas através do estúdio 2K Marin. BioShock 2 voltou a ser bastante bem recebido pela crítica, com avaliações a caírem em 88 para as três versões do jogo, de acordo com a Metacritic. Apesar de ter sido bem recebido pelos fãs (com avaliações a rondar os 80 e ligeiramente acima, segundo a Metacritic), algo parece não ter correspondido às expectativas no jogo agora dirigido por Jordan Thomas.

O grande entrave para a elevação ao seu predecessor é no fundo ser demasiado similar a esse mesmo título. Enquanto o primeiro lançamento desta saga expandiu e fez desenvolver o nosso conceito de videojogo, BioShock 2 aposta na mesma fórmula de tentar criar um impacto no jogador. Mais uma vez estamos de volta à fictícia metrópole submersa de Rapture, que conhecemos no primeiro título.

O jogo aposta fortemente na relação de Big Daddies – Little Sisters, onde a personagem que controlamos (um Big Daddy) procura desvendar os segredos que o colocaram nessa posição e como estão relacionados com as Little Sisters. No final somos presenteados com uma tentativa de impacto dos nossos conceitos, mas que no fundo falha, por ser um tema demasiado recorrente na ficção popular (nomeadamente o final do conceito de “ser” independente e autónomo, assimilado por uma cultura de comunidade).


BioShock Infinite, a Sequela que Muda Radicalmente de Cenário

Para terminar a atual trilogia de lançamentos, temos BioShock Infinite, lançado em 2013 e novamente para a PlayStation 3, a Xbox 360 e PC. Neste regresso à série de Ken Levine e da Irrational Games, o mais recente título voltou a receber avaliações extremamente favoráveis por parte da crítica – acima de 90 de acordo com a Metacritic. Também os jogadores olharam para Infinite mais favoravelmente – à volta dos 85 na Metacritic -, ainda que sem atingir os valores do BioShock original.

As profundezas claustrofóbicas de Rapture são trocadas pela vertiginosa Columbia, uma cidade distópica que se sustém nos céus e que parece explorar temáticas como a segregação racial ou o excecionalismo americano. Como Booker DeWitt, temos o objetivo de procurar Elizabeth de modo a saldar uma dívida. Em termos de jogabilidade, existem algumas diferenças notórias, como a Sky Hook, que permite navegar e combater a altas velocidades, e a própria presença de Elizabeth, que auxilia no combate usando os seus poderes de abrir portais para outras linhas temporais.

Esta temática das linhas temporais vai misturando-se fluidamente nas mecânicas do jogo. Em combate, Elizabeth consegue fazer aparecer objetos que existem noutras linhas temporais, e quando somos derrotados, outras personagens podem trazer-nos de volta, com a implicação de que se regressa um pouco atrás no tempo. A grande revelação é a de que existimos simultaneamente como Booker e como o vilão principal, Comstock, estando perpetuamente presos num ciclo de perdição no qual estamos condenados a convertermo-nos num tirano. Esta revelação, embora chocante e intrigante, é realizada de um modo pouco claro e com demasiadas pontas soltas, mas marca o regresso das reviravoltas marcantes à série BioShock.


BioShock “4” – O que Sabemos e o que Esperamos?

Há muito que se especula acerca do futuro de BioShock, com diversas reportagens a indicarem que este título já estaria em desenvolvimento. A verdade é que a trilogia original já saiu há quase duas gerações e com o passar dos anos, estas indicações foram perdendo força, até que recebemos uma confirmação em dezembro de 2019: um novo BioShock está mesmo a caminho.

Com a Irrational Studios a ser bastante reduzida e renomeada depois do lançamento de BioShock Infinite, este próximo título da série chegar-nos-á através do novo estúdio da 2K Games: a Cloud Chamber Studios. Sabemos que este estúdio é chefiado por Kelley Gilmore (das séries XCOM e Civilization), e que este projeto contará com diversos nomes da trilogia original. Hoagy de la Plante (diretor criativo), Scott Sinclair (diretor artístico) e Jonathan Pelling (diretor de design) são alguns dos nomes que estarão de regresso, com a implementação de novos elementos com experiência na indústria. Para concluir o que se sabe do próximo BioShock, foi confirmado que Ken Levine não estará de regresso à série que criou, estando a trabalhar noutro projeto com o seu estúdio, Ghost Story Games.


Portanto, o que esperar do próximo BioShock? Por norma, a utilização de elementos narrativos como linhas temporais ou realidades alternativas abre uma enorme caixa de Pandora, tornando plausível quase tudo o que se venha a imaginar. Isto pode ser um detrimento, ou uma oportunidade, e tudo dependerá de quem estiver encarregue do argumento. Em Infinite, esta premissa foi tratada de forma algo atabalhoada, mas houve um aspeto que foi bem conseguido: unir as histórias dos três jogos. Com um quarto título a caminho, este parece ser um aspeto positivo a reter, e seria interessante ver a próxima história a estar de alguma forma ligada aos acontecimentos de Rapture e de Columbia.

Contudo, isto não significa que se deva reutilizar um destes locais. Enquanto um call back pode ser interessante (como nos DLCs de Infinite), um regresso a tempo inteiro corre o risco de não estar a criar algo tão diferenciado. Assim, e depois de se ir das profundezas do mar aos céus, há dois cenários que parecem ser prováveis: uma cidade subterrânea ou uma cidade espacial. Ambas apresentam benefícios – podem permitir explorar temáticas científicas e sociais ainda por tocar -, mas também problemas – o contexto subterrâneo pode ser demasiado semelhante a Rapture, enquanto o espacial já está demasiado explorado em diversas áreas da ficção e do entretenimento. É também possível que se opte por utilizar uma cidade à superfície da Terra, mas de algum modo isolada do resto do mundo, o que imporia menos limites quanto às temáticas narrativas.

Falando de temáticas, em termos científicos já se tocou nas áreas da biologia e da física. Outras áreas do conhecimento que poderiam inspirar a história do próximo título seriam a geologia ou a química. A primeira estaria mais ligada a cenários subterrâneos ou terrestres, havendo o potencial de explorar personagens tirânicas a manipular desastres naturais para benefício próprio. Já a segunda poderá ser adaptada a qualquer cenário, sendo possível criar histórias coerentes com o resto da série através, por exemplo, de assuntos relacionados com a medicina ou a farmacêutica. Em termos sociais, uma aposta segura parece ser a exploração de temáticas da utilização de recursos naturais, algo diferente as temáticas dos jogos anteriores e, ao mesmo tempo, extremamente relevante para os eventos atuais.



Independentemente dos contextos ou das temáticas subjacentes, deseja-se que o próximo BioShock nos traga mais daquilo a que nos habituou. Uma história envolvente, um cenário imersivo, personagens complexas, e reviravoltas narrativas que nos obriguem a refletir acerca dos acontecimentos tanto dentro como fora do jogo. E, como não podia deixar de ser, uma jogabilidade diversa mas refinada como poucos outros. Agora, podem fazer-nos o favor de voltar a fornecer uma experiência como apenas BioShock consegue?


Artigo por. Filipe Castro Mesquita & Carlos Silva
BioShock – Retrospetiva e Perspetivas Futuras BioShock – Retrospetiva e Perspetivas Futuras Reviewed by Filipe Castro Mesquita on fevereiro 06, 2020 Rating: 5

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