Análise | GYLT - O Recordar de uma Infância...


GYLT está finalmente disponível para aqueles de nós que não se aventuraram na tentativa falhada de plataforma de jogo por streaming que a Google criou com a Google Stadia (que, entretanto, já fechou. Foi rápido!)

Em GYLT, jogamos como Sally, uma jovem criança nos seus 10 anos de idade com a particularidade de ter heterocromia (que para quem não sabe, é uma condição em que os olhos apresentam cores diferentes) com o olho direito de cor verde e o olho esquerdo castanho.


Assim que começa esta aventura, rapidamente nos apercebemos da premissa do jogo: encontrar a nossa prima mais nova, Emily Kauffman! Começamos o jogo a pendurar posters do desaparecimento por toda a cidade e, enquanto o fazemos, Sally murmura para si mesma que já lá vai mais de um mês desde que a Emily desapareceu. Mas a nossa personagem de olhos verde e castanho não desiste de fazer os possíveis para trazer a prima de volta para casa numa altura em que parece que já toda a gente desistiu.



É então que temos a nossa primeira cutscene, um pouco ao estilo de uma banda desenhada. Após um longo dia a pendurar posters, Sally depara-se com o que aparentam ser três bullies com lanternas que começam a fazer pouco dela e da sua prima de seis anos. Não os querendo confrontar, Sally monta-se na sua bicicleta e tenta escapar. Estrada abaixo, ao apercebermo-nos de que alguns posters estão a voar do cesto da bicicleta, perdemos o controlo e desviamo-nos da estrada, caindo perto de uma estação de teleféricos e partindo a bicicleta no processo.

Aqui, começamos realmente a nossa aventura com a introdução aos comandos através de tutoriais sobre movimentação, menus e items de cura que, no caso de Sally, são uma bomba de asma. Isto, juntamente com uma curtíssima barra de energia para os nossos sprints diz-nos que a nossa personagem sofre desta condição e poderá ser um problema. A verdade é que não, e em nenhuma altura durante o jogo senti que as limitações à energia para correr ligeiramente mais rápido fossem um fator importante, fosse para escapar a situações de tensão ou para completar algum quebra-cabeças com limite de tempo. Mas não deixemos que isto tenha demasiada importância, por agora.



Este novo título da Tequila Works tem lugar num mundo algo melancólico e tenebroso, onde a perceção da realidade perde para a fantasia. É na nossa viagem de teleférico na tentativa de voltar à cidade que temos a primeira pista sobre isto mesmo e entramos neste mundo estranho. Coincidência ou não, é nesta altura, em que nos encontramos num local frio e muito pouco iluminado, que nos é apresentado o principal utensílio do jogo, uma lanterna! Esta ferramenta não só serve para iluminar o nosso caminho neste sombrio universo, como também como arma contra os inimigos que nos vão sendo apresentados ao longo da jornada… ainda que não seja de imediato (no spoilers!). Jornada essa que decorre praticamente toda numa escola, um exemplo perfeito de onde o bullying está mais presente na vida das crianças quer seja no jogo, quer seja na vida real.



Apesar de a história não ser propriamente a melhor e de até ter algumas lacunas e deixar questões em aberto e de nenhuma das personagens ter propriamente muito peso no desenrolar da mesma, este título conta uma história com a qual facilmente nos podemos identificar de uma forma ou de outra.

Como sabemos, as crianças podem ser muito cruéis entre si e GYLT faz um extraordinário trabalho ao retratar esta realidade através dos diversos detalhes espalhados pela escola, que claramente ajudam na imersão da experiência. A juntar às diversas frases algo amargas presentes por todo o recinto escolar, temos vários exemplos de cenários com manequins de madeira a simular possíveis episódios de bullying, seja num corredor perto dos cacifos, numa cantina durante uma refeição, numa casa de banho ou até nos balneários do ginásio da escola. Cada um mais triste e/ou revoltante do que o outro para aqueles que poderão recordar algumas destas experiências aqui ilustradas. Como alguém que viu, na infância, outras crianças sofrerem de bullying vos garanto que me senti novamente com um “aperto no peito” ao relembrar a impotência que tive na vida de criança e até na adolescência. E se acham que a atmosfera em que este título se desenrola é a única forma de vos fazer cerrar os dentes, para quem tiver uma veia de colecionador, GYLT tem páginas do diário de Emily, estrategicamente colocadas nos vários níveis do jogo, que nos ajudam a perceber como a prima da nossa protagonista se sente tão sozinha na transição para esta nova escola, um novo capítulo da sua vida.

Já o áudio, na minha opinião, fica um pouco aquém daquilo que é esperado num jogo do género.  Apesar de a música ser bem conseguida e ter boa presença, os efeitos sonoros em situações como quedas de objetos ou aparição de inimigos mais relevantes para a história têm tão pouco impacto que me deixam algo desiludido e desligado da personagem. 


Mencionando novamente os colecionáveis, um ponto fortíssimo a favor de GYLT é o simples facto de conseguirmos ficar a par do número dos que já conseguimos obter ou dos que ainda faltam apanhar nas diferentes zonas (ao acedermos ao mapa que nos está disponível desde início e ilustrado abaixo). E não se preocupem porque na eventualidade de vos escapar algum, em qualquer altura do jogo, é possível retroceder e ter uma ideia generalizada de onde possa estar o colecionável em falta!



Este jogo, apesar de não trazer novidade nenhuma ao género, consegue executar as ideias base de um jogo de terror do estilo com algum sucesso. Os quebra-cabeça que nos são apresentados não oferecem grande desafio e praticamente todos giram à volta do bom uso da lanterna ou de um segundo utensílio que desbloqueamos ao avançar nesta aventura, um extintor! Temos também quebra-cabeças como o ajuste da pressão na canalização ou circuitos elétricos. Nada de novo, como disse, mas tudo bem conseguido neste universo!



O meu maior problema com este jogo passa pelo combate.

Como referi no início, Sally aparenta sofrer de asma, com uma barra de energia que desaparece ao correr pouco mais de dez metros… Mas sem sequer a possibilidade de escolha da dificuldade, isto nunca chega a ser um problema! A quantidade de inaladores ou de pilhas para a lanterna é mais do que suficiente para encarar o jogo conforme acharmos ser a melhor forma. Certamente, cada um de nós jogará este título de forma diferente, mas a verdade é que a jogabilidade furtiva a que GYLT inicialmente apela, é simplesmente irrelevante. Enquanto que um ataque furtivo consome cerca de 33% da bateria da nossa lanterna, a opção “mais valente” em que enfrentamos os inimigos de frente atacando os seus pontos fracos acaba por consumir apenas 5% ou 10%. As boss fights também me pareceram aborrecidas e sem grande desafio ou risco, sem grande relevância na história não fosse pelos seus nomes que aludem às diferentes emoções.

Na minha modesta opinião, um jogo de terror tem sempre que ter um bom balanço entre risco e recompensa!



Demorei cerca de sete horas a completar GYLT com todos os colecionáveis descobertos, e como recompensa consegui ter o melhor dos três finais possíveis. Final esse que é o único que requer condições especiais (no caso, a de colecionar fragmentos de um bilhete), sendo que os outros finais apenas se manifestam com uma única escolha feita pelo jogador nos momentos finais.



Esta versão de GYLT foi jogada num PC, com uma gráfica RTX 2070,  um i7-9700K e 32Gb de RAM, e mantive uma taxa de fotogramas sempre acima dos 100FPS com os gráficos no máximo e com uma resolução 2K.


Conclusão

GYLT é uma boa e divertida experiência, com claras bases em títulos como Silent Hill ou Alan Wake, e, sem inventar nada de novo, consegue ter a estrutura sólida de um bom jogo. Um tema tão delicado como o bullying está constantemente presente e, aliado ao texto e à atmosfera tenebrosa, torna este título bastante apelativo para quem gosta do género.

O atual preço de 19,99€ poderá parecer demasiado para aquilo que o jogo oferece e para o tempo que poderemos precisar para completar tudo a 100%, pelo que aconselho que aproveitem para obter este jogo numa promoção.



O Melhor

    > Retrata muitíssimo bem aquilo que poderá ser a realidade de uma criança que sofre de bullying;

    > Elementos base de um típico jogo do género de terror bem definidos e conseguidos;

    > Conteúdo colecionável apontado no mapa para que não escape nada.


O Pior

    > Decisões de áudio um pouco aquém do esperado num jogo de terror;

    > Combate mal conseguido. Nunca existe a necessidade de jogar de modo furtivo como o jogo nos dá a entender ser a forma correta de encarar a aventura.


Pontuação do GameForces: 6.5/10


Título: GYLT
Desenvolvedora: Tequila Works
Publicadora: Tequila Works
Ano: 2019-2023


Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a Steam, através de um código gentilmente cedido pela Tequila Works.

Autor da Análise: Ricardo Neves

Análise | GYLT - O Recordar de uma Infância... Análise | GYLT - O Recordar de uma Infância... Reviewed by Ricardo Neves on julho 17, 2023 Rating: 5

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