Análise | Stray – Um Ronronar do Início ao Fim


Quem vive com animais de estimação, sabe, com certeza, o quanto estes podem ser uma fonte de bem-estar, companheirismo e amor. E de trabalho, dores de cabeça e de mobília estragada, quase em igual medida. Quase! E quem vive com animais, já terá, com certeza, parado para pensar como seria passar um dia na pele e no pêlo dos nossos patudos favoritos. E agora a indústria dos videojogos finalmente nos dá uma experiência que o permite – desde que o patudo em questão seja um felino. Sim, Stray propõe oferecer uma experiência que replica fielmente o que é ser-se um gato. Mas será esta uma experiência com as unhas bem afiadas, ou um desperdício de uma das nossas sete vidas?



Em Stray, encarnamos um pequeno gato vadio que vive com a sua família felina. Um dia, o nosso gato tem um acidente que o leva a falhar um salto, caindo para uma área subterrânea do mundo. Ao acordar, o gato depara-se com um autêntico submundo isolado e esquecido pelo tempo, exclusivamente habitado por robôs autoconscientes. Cedo nos apercebemos que este submundo se encontra vedado do resto do mundo por estar a contas com uma misteriosa praga, cabendo ao nosso gato explorar este mundo, desvendar os seus segredos e, acima de tudo, encontrar um caminho de volta para a família da qual se separou. Tudo isto resulta numa história surpreendentemente emotiva, envolvente e com reviravoltas impactantes, durante a qual não podemos evitar torcer tanto pelo nosso gato como por todos os seres robóticos que nos ajudam nesta aventura de 4 a 5 horas.

Se a história de Stray é boa, há algo que merece ainda mais destaque: a jogabilidade. Um dos motivos de louvor prende-se com o facto de este ser o videojogo que melhor simulou o que é ser-se e comportar-se como um gato. Para além de nos podermos movimentar nos ambientes tridimensionais, podemos saltar para várias plataformas ou parapeitos elevados, miar, dar pequenas patadas em objetos, arranhar/afiar as unhas em vários elementos ambientais ou até dormir em locais específicos. Para além disto, todos os comportamentos do nosso gato em sequências de ação ou cinemáticas apresentam um nível de realismo impressionante. Por exemplo, quando algo assusta o nosso felino, este dá um salto para trás e apresenta-se completamente eriçado até reagir à potencial ameaça. Estes pequenos detalhes demonstram uma impressionante atenção ao detalhe e uma profunda paixão por estes pequenos felinos.


Mas estes elementos de jogabilidade não são meras curiosidades, todos eles estão admiravelmente interligados com todo o design do jogo e do seu mundo. Stray é um jogo de aventura e puzzles, e requer que resolvamos vários quebra-cabeças para progredir na história ou para encontrar colecionáveis. Muitos destes quebra-cabeças são resolvidos precisamente ao comportarmo-nos como um gato. Ou seja, empurrando objetos de modo a deixá-los cair de um parapeito, arranhando cortinados para os abrir, miando em momentos inoportunos para interferir com os comportamentos dos seres robóticos, ou até saltando para cima de caixas ou pilhas de livros para os fazer cair. Não sendo propriamente desafiantes, os puzzles são bastante variados e criativos, integrando brilhantemente o facto de sermos um gato, e termos ao nosso alcance comportamentos felinos.

Mas estes comportamentos não são as únicas coisas que temos no nosso arsenal. Bem cedo no jogo, o nosso felino encontra um pequenino robô que rapidamente se junta a nós na demanda de descobrir o que aconteceu ao mundo subterrâneo e de nos trazer de volta à superfície. Este robô ajuda-nos a carregar itens, digitalizando-os e manifestando-os quando precisamos de os usar no mundo, hackear fechaduras digitais, usar uma lanterna e, acima de tudo, compreender o que os habitantes deste submundo nos estão a dizer. Este pequeno companheiro serve, então, para dar alguma profundidade extra à jogabilidade, bem como para comunicar aos jogadores algumas das sensações e emoções do nosso felino. É uma presença fundamental para o impacto desta narrativa emocionante porque, tal como na vida real, os gatos não são propriamente os animais mais capazes de reagir emocionalmente através de expressões faciais.


Quem acompanhou o desenvolvimento do jogo até ao seu lançamento poderá estar a perguntar-se porque não classificamos aqui Stray como um jogo de plataformas. De facto, muito do material promocional do jogo mostra o nosso gato a saltitar entre plataformas pelo mundo, mas esse é um género cujo rótulo não assenta aqui bem. Não que o marketing do jogo tenha sido enganador, nada disso – podemos de facto ir trepando pelos telhados e parapeitos dos vários edifícios e estruturas do mundo através de saltos, mas estes não são livres o suficiente para estarmos perante um jogo de plataformas. Antes, temos de manusear a câmara para uma plataforma alvo e clicar no botão de salto para nos dirigirmos automaticamente para a mesma.
 
Ou seja, em vez saltarmos livremente e termos de ter cuidado ao apontar e manusear o salto do nosso pequeno felino, é quase como se o nosso gato tivesse uma força magnética que o atrai automaticamente para o local exato para o qual apontamos o seu salto. Confessamos que estranhamos bastante esta opção de design durante uma boa porção do jogo, até porque desta forma Stray passa a ser um jogo praticamente sem qualquer sensação de desafio. Felizmente, ao habituarmo-nos a esta mecânica de navegação, começámos a retirar mais prazer da mesma, reconhecendo que torna os momentos de exploração mais acessíveis e alguns dos momentos de furtividade menos frustrantes. Ainda assim, não conseguimos deixar de desejar que esta experiência fosse um pouquinho mais desafiante no geral, e imaginamos que mecânicas de plataformas mais clássicas pudessem ter sido uma opção de design que potenciasse a qualidade de Stray.


A campanha de Stray encontra-se dividida em capítulos, cada qual focado num local importante do mundo ou numa secção importante da narrativa. A grande maioria destes capítulos acaba por se apresentar como linear, levando-nos a ajudar o nosso gato a ir do ponto A ao ponto B de modo a desempenhar uma tarefa importante para a nossa demanda. Nestes capítulos, temos apenas de ir resolvendo pequenos puzzles, fugir de inimigos ou atravessar vários cenários de maneira furtiva para evitar sermos detetados por antagonistas. De um modo geral, estes capítulos acabam por ser bastante curtos e simples de terminar e por ter um ritmo de jogo mais elevado, havendo apenas um ou dois momentos perto do fim onde a dificuldade sobe um pouco.

Pelo meio, temos alguns capítulos mais abertos onde o ritmo de jogo é consideravelmente mais lento. Nestes capítulos, o objetivo é ir explorando uma secção do submundo onde nos encontramos até encontrarmos os itens necessários para progredir na história. A exploração é sempre agradável, porque o mundo é fascinante e está recheado de robôs cheios de personalidade com os quais é um prazer conversar. No entanto, sentimos que falta alguma direção na maioria destes capítulos, durante os quais é comum ficarmos sem saber exatamente para onde ir para encontrar os itens que precisamos ou estarmos a desempenhar uma série de tarefas sem saber se estas são relevantes ou não para o nosso objetivo. Mesmo que entendamos que é suposto estes capítulos serem mais “lentos” que os restantes, achamos que estes acabam por nos fazer perder bastante tempo a andar para trás e para a frente sem grande orientação.

Fora os objetivos principais, Stray é um jogo que contêm uma boa quantidade e variedade de conteúdo secundários para encontrar. Entre missões secundárias memoráveis, como a do robô musical que perdeu as suas partituras, e memórias perdidas do nosso parceiro, cujas recuperações nos conferem mais detalhes interessantíssimos sobre o mundo onde nos encontramos, há aqui muito sumo de elevada qualidade para aqueles de nós que gostam de mergulhar bem nos jogos que jogamos.


Para além da sua misteriosa história, outro fator importante para o fascínio deste submundo é a direção artística de Stray. Todo o jogo apresenta uma direção visual consistente com temáticas de cyberpunk, utilizando muitíssimo bem contrastes entre cores néon vívidas dos letreiros ou dos ecrãs que servem de rosto para os habitantes robôs, e uma geral falta de iluminação sombria e tons mais cinzentos e opressivos das ruas e das paredes que compõem o mundo. Também há que louvar o sistema de iluminação e de reflexos do mundo, que lhe conferem um aspeto realista. Apenas temos a apontar algumas fraquezas nas animações do nosso gato, cujos saltos e pequenos comportamentos (como abrir a boca para miar) parecem algo rígidos e robóticos. Talvez estejamos a ser algo minuciosos, já que estes são problemas pequeníssimos e facilmente ignoráveis, mas com todos os restantes aspetos da vertente visual a roçarem a perfeição, estas pequeníssimas transgressões saltam mais à vista.

Também a direção sonora de Stray apresenta uma qualidade inegável. A banda sonora emparelha-se bastante bem tanto com o ambiente geral do jogo, como com os acontecimentos mais específicos da narrativa, sejam estes mais calmos ou mais mexidos. Mas o prémio terá mesmo de ir para os efeitos sonoros. Desde as dezenas de trilhas de miados, aos barulhos retro futuristas das criaturas robóticas com que nos vamos cruzando, a cada pequeno som que resulta da decadência das várias áreas do submundo, estamos perante um trabalho sonoro sublime em todas as suas vertentes.

Olhando para questões relacionadas com o desempenho do jogo, Stray é um jogo que, geralmente, corre muito bem. E dizemos geralmente porque há uma mão cheia de momentos em que a habitual taxa de 60 fotogramas por segundo sofre ligeiros solavancos, congelando a imagem durante frações de segundo, mas o suficiente para ser notável. Para terminar, temos de tocar em algo que há muito não falamos – a integração das funcionalidades do DualSense na PlayStation 5. Stray relembrou-nos de como o feedback háptico pode potenciar a imersão numa experiência, levando o comando da PS5 a reagir de forma diferente a saltos, a corridas ou até a momentos de maior preguiça do nosso gato.


Conclusões
Desengane-se quem achar que Stray é um mero simulador de gatos. Sim, é um jogo que nos coloca na pele de um gato vadio e que nos permite miar e arranhar tudo o que nos apetecer. Mas é muito mais do que isso, ao incorporar de um modo simples e divertido todos os comportamentos de um felino no design geral do jogo. Juntando a isto uma narrativa cativante e um mundo fascinante, e temos aqui uma experiência que vale bem a pena. Quer sejam amantes de gatos ou de cães, irão certamente encontrar aqui uma experiência memorável.

O Melhor:
  • Uma narrativa emocional e memorável
  • Um mundo interessante de explorar e recheado de personagens vívidas
  • Jogabilidade simples e divertida que se coaduna perfeitamente com o design de jogo
  • Direções artística e sonora impecáveis
O Pior:
  • Ausência de mecânicas de plataformas clássicas tornam o jogo demasiado fácil
  • Capítulos mais abertos sofrem de alguma falta de direção
  • Uma animação ou duas do nosso gato são um pouco rígidas
 
Pontuação do GameForces – 8.5/10

Título: Stray
Desenvolvedora: Blue Twelve Studio
Publicadora: Annapurna Interactive
Ano: 2022

Nota: Esta análise foi realizada com base na versão digital do jogo para a PlayStation 5, acedida através da PS Plus Extra.

Autor da Análise: Filipe Castro Mesquita
Análise | Stray – Um Ronronar do Início ao Fim Análise | Stray – Um Ronronar do Início ao Fim Reviewed by Filipe Castro Mesquita on agosto 03, 2022 Rating: 5

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